Supremo Tribunal “limpa” a ficha de Lula, que passa a poder ser candidato em 2022
Juiz do STF anulou as condenações do ex-Presidente no âmbito da Lava-Jato. Tribunais do Distrito Federal vão decidir o que acontece às investigações contra Lula.
O juiz do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin anulou todas as condenações do ex-Presidente brasileiro Lula da Silva, decorrentes da Operação Lava-Jato e que causou um terramoto político. A decisão, que ainda não é definitiva, repõe os direitos políticos do antigo chefe de Estado, que fica com caminho livre para voltar a candidatar-se à presidência.
Fachin justificou a decisão alegando a incompetência do tribunal de Curitiba que condenou Lula em dois dos processos em que o ex-Presidente é acusado de corrupção e lavagem de dinheiro. Segundo a deliberação do juiz, o tribunal de primeira instância não era o “juiz natural” dos processos contra o antigo Presidente por não haver uma relação directa entre essa jurisdição e a Petrobras, a petrolífera estatal no centro do escândalo de corrupção.
Foi o juiz federal Sérgio Moro quem primeiro condenou Lula, em Julho de 2017, acusado de ter beneficiado de obras num apartamento tríplex em Guarujá a cargo da construtora OAS. A condenação foi confirmada posteriormente pela segunda instância, em Janeiro de 2018, abrindo caminho para a prisão do antigo Presidente. Lula esteve preso mais de um ano em Curitiba, acabando por ser libertado no final de 2019. Entretanto, o ex-Presidente tinha ainda sido condenado pelo caso do “sítio” de Atibaia, em que também é acusado de ter beneficiado de obras de remodelação a troco de favorecimento em projectos públicos.
Os processos ficam agora nas mãos dos tribunais do Distrito Federal, a quem cabe decidir se as provas e testemunhos recolhidos durante a fase de investigação podem voltar a ser utilizados. A anulação de todas as condenações de Lula tem o efeito adicional de deixar sem efeito os vários recursos apresentados pela defesa de Lula, incluindo um em que é contestada a imparcialidade de Moro.
O Ministério Público Federal pode ainda recorrer da decisão de Fachin e, nesse caso, os juízes do STF terão de julgar em conjunto se confirmam ou rejeitam a deliberação.
A decisão de Fachin responde a um pedido de habeas corpus apresentado pela defesa de Lula em Novembro, diz a Folha de S. Paulo. O juiz diz que a questão da competência do tribunal de Curitiba já tinha sido suscitada, mas defende que “é a primeira vez que o argumento reúne condições processuais de ser examinado, diante do aprofundamento e aperfeiçoamento da matéria pelo Supremo Tribunal Federal”.
A decisão do juiz do STF surge num contexto de forte descredibilização da Lava-Jato, depois de terem vindo a público as revelações sobre a conduta de Moro e dos procuradores do Ministério Público, que mantinham uma relação muito próxima, e com o juiz federal a fazer sugestões sobre a condução das investigações. A defesa de Lula argumenta que o juiz se comportou como um acusador e acabou por ser beneficiado politicamente pelo afastamento do ex-Presidente das eleições de 2018 ao ser nomeado para ministro da Justiça, cargo em que permaneceu até Abril do ano passado.
A reposição dos direitos políticos de Lula representa um grande abalo no panorama político brasileiro, a pouco mais de um ano e meio das eleições presidenciais. Com a decisão, o ex-Presidente pode voltar a candidatar-se ao cargo que exerceu durante dois mandatos e assumir a liderança da esquerda contra o actual chefe de Estado, Jair Bolsonaro, que pretende manter-se no Palácio do Planalto. As sondagens mais recentes mostram que Lula consegue derrotar Bolsonaro numa segunda volta entre ambos.
Em 2018, Lula foi o candidato escolhido pelo Partido dos Trabalhadores (PT) para disputar as eleições presidenciais, mas as condenações judiciais impediam-no de se candidatar a cargos públicos – a Lei da Ficha Limpa proíbe a candidatura de quem tenha sido condenado por um tribunal colectivo.
A anulação das condenações de Lula é também uma derrota política para Moro, que alimenta esperanças de se manter na vida política, apesar de continuar a gozar de uma forte popularidade junto de parte da população brasileira que o considera um ícone do combate à corrupção. No entanto, o afastamento da possibilidade de o STF vir a julgar a imparcialidade do ex-juiz acaba por resguardar a sua imagem perante o público.