Médicos forçam DGS a avaliar uso de medicamento antiparasitas contra a covid-19

Não há provas sólidas de que a ivermectina seja eficaz para tratar sintomas da infecção pelo coronavírus, nem a prevenir a infecção. Mas um grupo de clínicos, alguns bem conhecidos, quer forçar a sua inclusão no arsenal terapêutico.

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Miguel Guimarães diz que a DGS solicitou um parecer à OM sobre a ivermectina e confirma que há um movimento de médicos a pedir que ela seja usada contra a covid-19 Paulo Pimenta

Um grupo de médicos portugueses está a fazer pressão sobre o Infarmed e a Direcção-Geral de Saúde para a utilização do medicamento antiparasitário ivermectina contra a covid-19. É um medicamento sem patente, que foi amplamente usado na América Latina e no Brasil, tal como a hidroxicloroquina — mas que nem a Organização Mundial de Saúde, nem a Food and Drug Administration norte-americana, ou a Agência Europeia de Medicamentos recomendam para esse fim, por não existirem provas que que tenha algum efeito.

“O que se está a repetir com a ivermectina é muito semelhante ao movimento que houve com a hidroxicloroquina”, disse ao PÚBLICO Hélder Mota Filipe, ex-presidente do Infarmed. “Em estudos pequenos, relatórios de caso e experiências individuais, a hidroxicloroquina parecia ser bastante útil e benéfica contra a covid-19. Mas quando foi introduzida em ensaios clínicos robustos, com um número suficiente de doentes, duplamente cegos e controlados, verificou-se que não só não fazia nada, como em certos casos até podia piorar o estado dos doentes”, explicou.

O estudo que desencadeou o interesse sobre o uso da ivermectina contra a covid-19, de Abril de 2020, usou uma cultura de células — e há diferenças entre o laboratório e um ser humano. Desde logo, na dose que se pode administrar. Algo que é sublinhado, por exemplo, pelos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, que explicam que seria preciso uma dose 100 vezes maior do que a aprovada para uso humano para a ivermectina ter um efeito antiviral.

“Este movimento baseia-se pouco em evidência científica. É muito baseado na crença de alguns profissionais, isto é ipsis verbis o que dizem, ‘acreditam na ivermectina’ e no seu efeito. A ciência não se faz de crença, isso é do âmbito da religião”, diz Mota Filipe. “A prova científica sobre a ivermectina é muito fraca e contraditória. É fundamental haver ensaios clínicos robustos”, frisa.

Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos (OM), reconheceu a existência deste movimento de pressão: “Sim, isso é indiscutível.” Disse ainda que a Direcção-Geral de Saúde (DGS) solicitou um parecer à OM sobre a ivermectina — porque este grupo de médicos exigiu à DGS e outras entidades uma discussão sobre o seu uso contra a covid-19.

António Ferreira, ex-presidente do conselho de administração do Hospital de São João, revelou-o numa “sessão de esclarecimento” na Internet, com outros médicos que tomam e prescrevem ivermectina. Diz ter referenciado “37 estudos, 19 dos quais aleatorizados, que abrangem todas as fases da doença”, nos quais o uso da ivermectina tem alguma vantagem. “A probabilidade de este conjunto de dados nos induzir em erro é baixíssima, um sobre muitos biliões”, garante.

António Ferreira diz que a 15 de Novembro enviou para a ministra da Saúde, a DGS, o Infarmed, o secretário de Estado Adjunto da Saúde, a Comissão de Saúde do Parlamento, “toda a evidência disponível” sobre a ivermectina. Quer que se discuta o seu uso na “quimioprofilaxia e no tratamento” da covid-19. Desafia os “os responsáveis pela DGS e pelo Infarmed a assumirem esta discussão” — se não forem “covardes, negligentes e omissos”.

Entretanto, houve uma reunião destes médicos com a Comissão de Avaliação de Medicamentos do Infarmed.

No vídeo, outros médicos disseram prescrever para a covid-19 este medicamento para tratar piolhos ou sarna, entre outras doenças parasitárias, distinguido com com o Nobel em 2015. Germano de Sousa, ex-bastonário da Ordem dos Médicos, testemunhou que estava a tomar ivermectina de forma profiláctica, quanto esperava a vacina contra a covid-19.

“Bom, isso é muito mais complicado”, comentou Miguel Guimarães sobre esta ideia de usar a ivermectina como prevenção da covid-19. “No que tive conhecimento, têm-se usado a ivermectina, tal como outras moléculas, para tentar diminuir a gravidade da doença, num uso off label. Mas enfim, é possível”, admite.

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