A queda de uma ponte que pôs a nu as fragilidades do sistema de socorro e resgate
Principais agentes da Protecção Civil que estiveram envolvidos nas operações de socorro e resgate após a queda da ponte de Entre-os-Rios recordaram esta quarta-feira o que aconteceu há 20 anos e reflectiram no que melhorou desde então. Ainda discutiram o que falta fazer.
Para Artur Costa, director da licenciatura e responsável pelo mestrado em Protecção Civil, na Universidade Lusófona do Porto, há um antes e um depois da queda da ponte de Entre-os-Rios. Como se a tragédia fosse um marco que pôs a nu muitas das fragilidades do sistema de socorro e resgate que então existia. Desde então muito mudou, e parece consensual que hoje estaríamos mais preparados para enfrentar um desafio semelhante. Mas, mesmo assim, há muitas mágoas por apagar, guerras de quintais que se parecem perpetuar e, mais grave de tudo, continua-se a investir muito mais na reacção do que na prevenção.
Essa parece a conclusão do debate realizado esta quarta-feira, via Zoom, pela Lusófona sobre os 20 anos da queda da ponte e que juntou os principais intervenientes nas operações de busca e resgate. Carlos Pereira, à data inspector distrital do Porto, do então Serviço Nacional de Bombeiros (SNB), conta que dez minutos após o alerta da queda, já havia 24 operacionais junto à ponte. Foi este serviço, que na noite da queda e durante toda a madrugada, comandou as operações, com mergulhadores no rio e focos a iluminar as margens. Inicialmente a resposta tinha uma lógica de socorro, mas rapidamente passou para uma perspectiva de resgate, face à pouca probabilidade de encontrar sobreviventes.
No dia seguinte à tragédia, 5 de Março, pela manhã, já havia bombeiros mobilizados para fazer buscas nas praias atlânticas da zona Norte, onde alguns destroços tinham aparecido. “Durante toda a operação, que durou vários meses, foram mobilizadas 704 viaturas, 2332 bombeiros, 79 botes e dois helicópteros”, contabiliza o antigo inspector distrital. No dia seguinte, a Marinha chegou ao terreno e assumiu as operações.
Coube ao almirante Augusto Ezequiel coordenar as operações de resgate, incluindo a equipa de mergulhadores e o uso do famoso sonar. “A determinada altura percebemos que só se podia descer em segurança com um cabo e para segurá-lo lançou-se um bloco de betão com quatro toneladas que andou 150 metros até pousar no fundo”, recorda o militar, destacando a força da corrente e o caudal do rio.
O então presidente da Câmara de Castelo de Paiva, Paulo Teixeira, sublinhou um engano da então ministra da Saúde que, para apoiar os familiares das vítimas, 54 das quais residentes em Castelo de Paiva, distrito de Aveiro, accionou a Administração Regional de Saúde do Norte e não a do Centro, a que de facto tutelava aquele território. A tal não será alheio o facto de Castelo de Paiva ter muito mais afinidades com cidades do distrito do Porto, que fica do outro lado da ponte, do que com Aveiro. Aliás, para chegar de carro à capital do seu distrito, ainda hoje é preferível ir primeiro ao Porto.
António Salazar, antigo inspector do SNB, que viu o autocarro cair ao rio e deu o primeiro alerta, lamentou a forma como os bombeiros foram afastados do comando das operações e criticou a actuação deficiente do então Serviço Nacional de Protecção Civil, igualmente representado por uma exposição escrita. Estes dois organismos acabaram por ser fundidos em Março de 2003 e deram origem às bases da actual Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil. Em 2001 não existia o chamado sistema integrado de operações de protecção e socorro, que determina como se devem articular os vários agentes de protecção civil no terreno, nem o sistema de gestão de operações, que concretiza essa coordenação. Artur Costa nota que a organização do sistema é hoje muito mais avançada do que há 20 anos, mas constata que no terreno “nem tudo funciona como uma orquestra”, como deveria acontecer. O calcanhar de Aquiles, acredita, é o planeamento. “Continuamos a investir muito mais na reacção do que na prevenção”, critica.