DGS diz que norma para dádiva de sangue “merece clarificação” nos critérios para comportamentos de risco

Alegada discriminação de homossexuais nas doações leva presidente do Instituto Português do Sangue e representantes da Direcção-Geral da Saúde à Assembleia da República.

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Rui Gaudêncio

As situações de alegada discriminação em função da orientação sexual na dádiva de sangue, denunciadas no final de Fevereiro, terão origem, segundo a presidente do Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST), numa “dificuldade na clarificação da norma da Direcção-Geral da Saúde” relativa aos critérios para doação.

Ouvida na Assembleia da República, esta terça-feira, Maria Antónia Escoval afirma que “o corpo da norma apresenta um critério, mas a fundamentação da norma apresenta outro critério”. Havendo margem de interpretação sobre o período de suspensão da dádiva de sangue no caso de comportamentos sexuais de risco, a especialista em saúde pública esclarece que no caso dos homens que fazem sexo com homens, em particular, era cabível a aplicação do período de suspensão de 12 meses desde os comportamentos de risco (ao contrário dos seis meses previstos para outros perfis de dadores). “O IPST tem-se debatido arduamente pela clarificação”, garantiu.

A presidente do IPST foi ouvida esta terça-feira pelas comissões de Saúde e de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, numa audição parlamentar conjunta agendada a pedido do Bloco de Esquerda “a propósito de denúncia de práticas discriminatórias na doação de sangue por homens que fazem sexo com homens vindas a público”, em que também foram ouvidos representantes da Direcção-Geral da Saúde.

O director do Departamento da Qualidade na Saúde da DGS, Valter Fonseca, reconheceu que “há uma referência na fundamentação para um documento técnico que identifica alguns grupos de risco para a infecção do VIH”, entre os quais os homens que fazem sexo com homens. São, contudo, “factos que merecem clarificação”, que será feita pelo grupo de trabalho que apresentará as suas conclusões no prazo de uma semana. Sublinhou, contudo, que o foco nos comportamentos sexuais, e não na orientação sexual, é uma mudança a que se tem assistido já desde 2010. “Reforçamos o nosso compromisso com a clarificação da redacção.”.

O médico garantiu ainda que a DGS irá “procurar uma uniformidade de critérios que deve ser respeitada de norte a sul de país, sem prejuízo de uma avaliação caso a caso quando necessária”, e reconheceu ainda a “necessidade de informar quer profissionais, quer público em geral, que a tónica é no comportamento, e não na orientação sexual”. 

A directora-geral da Saúde, Graça Freitas, sublinhou o “compromisso” da entidade “com a igualdade e com a não discriminação em quaisquer circunstâncias”. 

Denúncias estão a ser alvo de inquérito

O tema da discriminação de pessoas LGBTI na dádiva de sangue voltou à agenda na sequência do caso de um homem que denunciou ter sido discriminado quando tentou dar sangue a 23 de Janeiro, no posto fixo de doação do IPST em Lisboa, depois de este organismo ter feito um apelo à dádiva.

A presidente do instituto afirmou aos deputados que “foram abertos processos de inquérito a três profissionais” que foram alvo de queixa, incluindo as duas pessoas que atenderam o homem que fez a queixa mais mediática. “Sei que os profissionais visados já foram ouvidos e aguardamos o relatório final”, avançou. “Não queremos que reste nenhuma dúvida em relação a estas situações.” 

Na situação que foi relatada nas redes sociais, o homem descrevia que foi informado de que o impedimento da dádiva de sangue no caso de homens que fazem sexo com homens se devia a procedimentos internos. “Não existem procedimentos internos, o procedimento é o mesmo”, esclareceu Maria Antónia Escoval. “Poderá haver profissionais que aplicam diferentes períodos de suspensão, e por isso esta necessidade de proceder à clarificação.”

A presidente do IPST confirmou ainda, tal como já tinha sido anunciado pelo Ministério da Saúde, que a norma será revista em breve “de acordo com o relatório que foi ontem terminado pela comissão de acompanhamento e pelo INSA [Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge], com a avaliação do risco e com o estado da arte nos outros países europeus”. 

Na segunda-feira, o Ministério da Saúde anunciou que criou um grupo de trabalho para rever, no prazo de uma semana, a norma de 2016 que define os critérios de inclusão e exclusão de dadores de sangue por comportamento sexual. O grupo de trabalho foi constituído por decisão do secretário de Estado Adjunto e da Saúde, António Lacerda Sales, na sequência da conclusão do estudo do INSA sobre “comportamentos de risco com impacte na segurança do sangue e na gestão de dadores”.

Valter Fonseca, da DGS, esclareceu que o relatório do INSA, que será “um dos documentos técnicos de análise” do grupo de trabalho para a revisão da norma, permitirá esclarecer dois aspectos: “se se verificou alguma alteração na existência de diagnóstico de agentes infecciosos transmissíveis pelo sangue antes e depois da norma”, ou seja, entre a suspensão definitiva que vigorava antes e a suspensão temporária (seis a 12 meses) actual; e a análise das práticas internacionais e das projecções de risco relativamente a vários períodos de suspensão temporária”. 

O estudo do INSA, que terá sido concluído na segunda-feira, ainda não foi divulgado publicamente, nem mesmo aos deputados. 

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