As máscaras são descartáveis, mas o ambiente não. Ana Catarina está a investigar esta ameaça

Preocupada com o rasto de poluição deixado pelas máscaras descartáveis, Ana Catarina Santos procura formas de as valorizar. Um ano depois da confirmação do primeiro caso de covid-19 em Portugal, a jovem investigadora partilha a investigação que está a desenvolver e cujo objectivo passa por averiguar o grau de decomposição das máscaras no solo e mudar comportamentos através da arte.

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Paulo Pimenta
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Ser o braço português de uma organização internacional de protecção ambiental e estabelecer contactos com partidos políticos que defendam a causa e a levem a ser discutida no Parlamento são terrenos que a estudante de mestrado da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), Ana Catarina Santos, quer pisar no futuro. Mas, antes de o fazer, a jovem investigadora acredita ser necessário alertar a população para o tema e criar alternativas para que se valorizem as máscaras descartáveis. É por tudo isto que, desde Setembro de 2020, está a investigar o impacto das máscaras descartáveis no ambiente. “Este problema está a acontecer neste momento. Se agirmos já, as consequências podem ser menores no futuro”, começa por explicar ao P3.

Se é certo que a pandemia, ao manter a maioria da população mundial em casa, fez diminuir, entre muitos outros aspectos, os níveis de poluição atmosférica, também é verdade que originou um dos maiores problemas ambientais de todos os tempos: o aumento do lixo proveniente de equipamentos de protecção individual contra a covid-19, nomeadamente as máscaras descartáveis.

Ainda que sejam quatro os tipos de máscaras que podemos utilizar, existe uma forte inclinação para as descartáveis. Nas palavras do ministro do Ambiente e Transição Energética, João Pedro Matos Fernandes, “nunca ninguém sugeriu que se usassem descartáveis” nem tão-pouco existe uma protecção acrescida por se usar este tipo de equipamentos. Sendo assim, qual é a razão que o explica? O preço? “Sim, embora o preço seja um bocadinho relativo, porque as cirúrgicas são mais baratas, mas bastam três ou quatro das de tecido e duram bastante tempo”, afirma. “Na minha opinião, acho que é a conveniência. É muito mais conveniente, para um cidadão comum, usar as máscaras cirúrgicas. É colocar e descartar.”

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“[As máscaras ] vão para aterro ou para incineração, mas aquelas que não são sequer colocadas no lixo podem aparecer no meio ambiente, vemos máscaras nos oceanos, nas praias ou em seres vivos.”

Os parques, as ruas, os terrenos baldios, as praias ou o mar são alguns dos “contentores a céu aberto” que concentram uma vastidão de máscaras. Neste momento, aponta a jovem, a inexistência de uma recolha selectiva, orientação ou tratamento específico faz com que elas acabem em todo o lado e esse é “o grande problema”. “Vão para aterro ou para incineração, mas aquelas que não são sequer colocadas no lixo podem aparecer no meio ambiente, vemos máscaras nos oceanos, nas praias ou em seres vivos.”​

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Os resultados de uma das experiências de Ana revelam que cada máscara descartável, que pesa cerca de quatro gramas, é composta por “fibras sintéticas várias”, entre as quais se destaca o polipropileno, “um tipo de plástico que não se desfaz com facilidade”. Em relação ao tempo de decomposição, está em andamento uma outra experiência, mas ainda não produziu resultados concretos. “Neste momento, está uma experiência a decorrer no Campus Agrário de Vairão em que estamos a colocar máscaras no solo e vamos retirando ao longo do tempo. Já retirámos passados três meses e percebemos que a sua degradação é quase nula. Mas só depois de as máscaras estarem no solo pelo menos seis meses é que conseguimos ter resultados mais fidedignos para retirar conclusões com maior confiança.”

Ainda assim, ficou desde logo definido que nem sempre o ser descartável significa que seja reciclável. E, no caso deste tipo de máscaras, essa ligação está fora de questão, já que “são bastante difíceis de serem degradadas no ambiente”.

O problema é global, alerta a docente da FCUP, investigadora no GreenUPorto e orientadora do projecto, Ruth Pereira. “Se nós pensarmos em todos os países, pelo menos da Europa e a China, a produzirem e utilizarem máscaras, o volume e a quantidade é imensa e assustadora. É outra pandemia que vai persistir e, se calhar, também difícil de resolver.”

Estratégias “bio”

Mais do que estudar o tempo de decomposição das máscaras no solo, a investigação da estudante tem como objectivo sensibilizar para a mudança de comportamentos por parte da população face ao uso e descarte das máscaras. Para o efeito, além das respostas ao questionário, a investigação, adianta Ana, passa por “documentar a experiência para desenvolver material didáctico para as escolas percepcionarem a mesma problemática”. As ferramentas utilizadas para o efeito são inovadoras, mas ainda não podem ser reveladas. “O trabalho da Ana ainda está numa fase efervescente”, sublinha Ruth Pereira.

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No entanto, é possível revelar que uma das estratégias está a ser desenvolvida em parceria com dois docentes da Faculdade de Belas-Artes da UP, Tiago Assis e Paulo Almeida. A parceria partiu do desejo da universidade em articular centros e projectos de investigação, mestrado e doutoramento para problemas como o clima. O formato escolhido é a fotografia. “Segundo a professora Ruth, uma das etapas do processo da Ana Catarina é precisamente o registo fotográfico das decomposições das máscaras”, esclarece Tiago Assis. “Comecei por falar de um projecto meu, o BioImages, que consiste em soluções de revelação de imagens com substâncias biodegradáveis como o café, sementes, hortelã. Vamos começar a trabalhar nisso de maneira a depois chegar às escolas por via da exposição, ou também por via da prática, neste caso, com os alunos da Escola Artística Soares dos Reis.”

No horizonte está ainda a criação de um laboratório fotográfico amovível em que todos os dispositivos utilizados para gerar as imagens sejam sustentáveis “por via da reutilização, da reciclagem ou da impressão 3D, também envolvendo a reciclagem ou materiais amigos do ambiente”.

Paulo Almeida espera que o material possa servir como ponto de partida para novos projectos artísticos, entre os quais uma “exposição pública que mostre as possibilidades de articulação que existem entre a arte, o design e a ciência”.

Texto editado por Ana Maria Henriques

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