NEEV: “O lado social e a música, para mim, sempre estiveram de mãos dadas”
Com um álbum já disponível mas ainda sem lançamento oficial, NEEV estreia-se no Festival da Canção, aos 26 anos, para celebrar o multiculturalismo e a diferença.
Aconteceu com NEEV o mesmo que a muitos músicos: com um álbum pronto e já disponível nas plataformas digitais e em CD, não chegou a ter lançamento oficial devido à pandemia. E é nessa espécie de limbo que se encontra Philosotry desde 2020, agora que este jovem músico de 26 anos se prepara para participar pela primeira vez no Festival RTP da Canção, com Dancing in the stars.
De seu nome Bernardo Neves, cresceu e vive em Cascais, mas nasceu em Lisboa, no dia 8 de Julho de 1994. Não tem antecedentes familiares na música, embora em sua casa houvesse discos. “Beatles havia muito, do lado da minha mãe. Do lado do meu pai, havia ZZ Top, Def Leppard, Chicago e AC/DC. São estes nomes que me vêm à cabeça, quando penso nesses tempos.” A aproximação à música fê-la sozinho. “Tive a sorte de conhecer também na escola pessoas que partilhavam essa vontade e, essas sim, tinham em casa referências musicais.” A mãe apoiou-o: “A minha mãe fez o bom trabalho de nunca me encorajar demais, mas também nunca me ‘cortar as pernas’.”
Por volta dos 12 anos, a música tornou-se fundamental. “Nessa altura eu estive muito em baixo e a música foi mesmo o meu bote salva-vidas. Antes, escrevia muito mais do que consciencializava um futuro na música.” Uma banda marcou-o muito nessa altura, os Radiohead. “Ainda é das minhas favoritas.” E ajudou-o a definir a música como objectivo. “Não sei explicar porquê, mas senti que a música ia ser a pedra basilar do que eu ia fazer para o resto da minha vida. Era ali que estava a essência, era aquilo.” E aos 18 anos aventurou-se a ir para Londres, estudar Music Business.
“Criei mundo na cabeça”
“Sempre fantasiei muito com ir para Londres, sempre gostei muito daquela cultura, muita da música que eu ouvia era de lá. Não sabia para fazer o quê, mas queria ir para Londres.” Não foi fácil. “A integração foi dura, mas eu já sabia que ia ser difícil. Vi-me a fazer coisas que não queria para poder continuar lá, para comer. Acabei por ir tocar para a rua. A nível financeiro foi um desafio, mas a nível conceptual foi muito bom, cresci muito. Criei mundo na cabeça, que era coisa que eu não tinha até essa altura. Criei relações a nível pessoal e profissional que ainda hoje duram.”
Esteve lá pouco mais de um ano. “Antes de sair de Portugal andava sempre em bandas, uma aqui e outra ali. Mas quando fui para Inglaterra estava mesmo no zero, não tinha nada.” Até chegar um convite: “Telefonou-me uma pessoa que trabalha muito comigo, o André Prim, o meu professor de canto, a dizer que havia um produtor que queria trabalhar comigo e estava em Portugal. Era um português que tinha vivido todo o tempo em Inglaterra, já tinha trabalhado com o James Arthur e nomes já assim interessantes, gostou da minha música (das demos que eu tinha na altura) e acabei por trabalhar com ele. Correu muito bem, foi a primeira pessoa com quem partilhei o processo de fazer a minha música, as canções que eu tinha criado e que são hoje o Philosotry.” Foi na sequência deste trabalho que acabou por assinar um primeiro contrato, em Los Angeles. “Acabei por sair da faculdade, pedi-lhes muita desculpa, mas disse-lhes que tinha de seguir isto, senão não me ir perdoar para o resto da vida. Foram simpáticos e deixaram-me sair a bem.”
Breathe para 15 milhões
Na sequência desse contrato, gravou uma canção com os noruegueses Seeb em 2016 (Breathe, que já soma mais de 15 milhões de visualizações no YouTube) e actuou na Alemanha e na Holanda. Até que as coisas correram mal. “Fiquei dois anos a lutar em tribunal para ter as minhas músicas de volta, infelizmente é um bocado aquele cliché da indústria musical.” Mas recuperou os direitos das músicas que estavam cativas e seguiu em frente. Até chegar a Larry Klein, produtor que trabalhou com nomes como Joni Mitchell, Herbie Hancock, Tracy Chapman ou Melody Gardot. “Este álbum foi uma roda-viva de produtores. Cada vez que apostava num produtor, percebia que aquele não era o certo. Trabalhei com nomes que admiro muito, mas a música é o mais importante e eu não sentia que fossem as pessoas certas para aquilo que eu queria.” Que era o quê, exactamente? “Acima de tudo, eu gosto muito do som americano. Do som com carne, como profundidade, que esteja muito vivo. Queria fazer um álbum old school nesse sentido, um álbum que fosse muito humano.”
E foi isso que conseguiu com Larry Klein, que ele de início julgava inacessível. Mas, para sua surpresa, aceitou. “Ouviu o que lhe enviámos, gostou, falámos ao telefone para nos conhecermos um bocadinho e acabei por trabalhar com ele. E era o que eu queria: alguém, no estúdio, com uma inteligência emocional superior à minha, que me permitisse ser o artista na sala.” Foi Larry Klein quem, numa entrevista à Billboard, se referiu a NEEV como “o Prince português”. Não foi uma comparação estética, segundo NEEV: “Quando falávamos de semelhanças, ou de influências, íamos sempre para além da música ou da estética, íamos para o sentimento que está por detrás. O que eu acho que ele quis dizer com isso do Prince terá mais a ver com o eclectismo ou uma procura que transcende estilos. Porque eu, esteticamente, ao lado do Prince, ainda tenho muito para fazer.”
Philosotry tem doze canções com a assinatura de NEEV, quase todas em inglês (só Não sei de mim é em português), das quais Lie you love it já soma quase 90 mil visualizações no YouTube e quase 202 mil no Spotify.
Causas humanitárias
O nome artístico NEEV surgiu de um acaso, em Inglaterra. “Já andava à procura de um nome. Então um dia, estava no médico e a doutora chamou ‘mister neev’ [leia-se nive]. Pensei: é um nome giro, neev. Não achei que fosse comigo, só quando percebi que estava sozinho na sala é que vi que era eu.” Assim passou de Neves a NEEV (“uma relação directa com a interpretação do meu nome”) e é como NEEV que participa agora, pela primeira vez, no Festival RTP da Canção, estando agendado para a segunda eliminatória, na noite de 27 de Fevereiro. “Senti uma insegurança, no início, mas aceitei o desafio. Achei interessante. Acima de tudo, por aquilo que a Eurovisão representa. E este é um óptimo ano para celebrar os valores que a Eurovisão tem na sua génese: o multiculturalismo, a diferença, encontrar enriquecimento nessa mesma diferença, a aceitação, a tolerância.”
Essa atracção pelas causas sociais já vinha de trás, quando decidiu ir para Londres: “Fui estudar Music Business, não com o intuito de ser manager ou booker, mas com o objectivo de juntar música a causas humanitárias. O lado social e a música, para mim, sempre estiveram de mãos dadas, e a Eurovisão teve esse papel social, na altura em que nasceu, e continuará a ter se tomarmos a decisão activa de o representar, de o trazer cá para cima, e não ser só um concurso de música.”
A canção Dancing in the stars, que apresenta no festival, não veio de nenhuma gaveta, criou-a depois do convite. “Antes eu não andava a tocar, andava a ler muito e a escrever, mas não música. Fui apanhado de surpresa, comecei a escrever e acabei, instintivamente, por ir para sítios que não tinha ainda racionalizado. O que saiu foi algo extremamente genuíno e directo, até um bocadinho diferente da minha escrita. É um sentimento de perda sem perder: fisicamente já não está connosco, mas continua a ter uma influência muito física, muito viva, dentro de nós.”