Bloco questiona cláusulas do contrato assinado entre a IP e o El Corte Inglés
Partido considera que interesses do Estado não foram defendidos no negócio e quer, por isso, ouvir o Ministro das Infra-Estruturas e o presidente da Infra-Estruturas de Portugal no Parlamento.
O Bloco de Esquerda pediu uma audição com carácter de urgência ao ministro das Infra-estruturas e ao presidente da Infra-estruturas de Portugal (IP) sobre o negócio dos terrenos da antiga estação ferroviária da Boavista, onde o Corte Inglés quer construir um shopping um hotel e um edifício de habitação. Os bloquistas analisaram o contrato pela IP com o grupo espanhol e consideram que num dos seus aditamentos foi retirada uma cláusula, em beneficio do privado, sem que se conheça qualquer contrapartida para o Estado.
No requerimento, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda (BE) refere que estão por explicar vários contornos do negócio entre a então Refer, actualmente integrada na Infra-estruturas de Portugal (IP), proprietária dos terrenos e o El Corte Inglês. Sobre o terreno da antiga estação ferroviária da Boavista pende um contrato celebrado entre a cadeia espanhola e a ex-Refer, datado do ano de 2000 e que prevê a opção de compra – constituição de um direito de superfície, mais concretamente – sobre aquele imóvel.
Última alteração em 2018
“Da análise dos referidos contratos resultam vários motivos de estupefacção”, assinala o BE. “Mas a surpresa maior relaciona-se com o facto de, na renovação celebrada em Julho de 2018, já sob a tutela deste Governo, a IP ter aceitado retirar do referido contrato a cláusula que estabelecia como condição prévia à concretização do negócio a aprovação e emissão da licença urbanística por parte da CMP [Câmara Municipal do Porto]”, lê-se no requerimento.
Para aqueles terrenos está prevista a construção de um grande armazém comercial, de um hotel e de um edifício de habitação, comércio e serviços, cujo Pedido de Informação Prévia (PIP) foi aprovado em Outubro pela autarquia. Aquilo que se sabe sobre o negócio entre as partes é que até ao momento o El Corte Inglés terá pagado à IP quase 18,7 milhões de euros.
Assinalando que, apesar de o ter solicitado oficialmente, apenas teve acesso ao contrato e sucessivos aditamentos por via oficiosa, o BE explica que a referida cláusula permitia, por exemplo que, a “simples” rejeição camarária do projecto do Corte Inglês resultasse na caducidade do contrato e na consequente reversão do negócio e devolução dos terrenos à posse pública, sem lugar a pagamento de indemnização ou pagamento do sinal em duplicado.
IP nega alteração criticada pelo Bloco
Mas, sobre esta matéria, a IP esclareceu, à Lusa, em Janeiro, que a cláusula em causa não foi retirada, como afirma o Bloco de Esquerda. “As alterações introduzidas em 2018 ao contrato em nada se relacionam com a cláusula mencionada pelo BE”, assinalou à data a empresa.
No requerimento dirigido ao presidente da Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas, os deputados assinalam ainda que esta decisão “aparentemente sem qualquer contrapartida adicional para o Estado”, ocorreu numa altura em que já decorria o estudo dos traçados das novas linhas de metro do Porto, valorizando significativamente aqueles terrenos, o que leva o Bloco a considerar a situação “altamente lesiva para o Estado e para o interesse público”.
“Acresce que continua por explicar por que motivo a IP entendeu ser do interesse do Estado a concretização da referida alienação, passados 20 anos, tendo em conta o inquestionável valor e interesse público que os referidos terrenos adquiram ao longo dos últimos anos”, acrescenta aquele grupo parlamentar. O BE recorda ainda que a autarquia aprovou, por unanimidade, em Novembro de 2019, uma recomendação a solicitar ao Governo que reversão da decisão de alienar o terreno da antiga estação da Boavista, não se conhecendo qualquer desenvolvimento sobre essa diligência.
"Falta de transparência"
“O Bloco de Esquerda considera que o Governo deveria atempadamente ter apurado, com a IP e o Município do Porto, das condições para a devolução daquele terreno à posse pública abstendo-se, respectivamente, de aceitar qualquer renovação do acordo celebrado em 2000, e de aprovar qualquer Pedido de Informação Prévia [PIP] e/ou licenciamento urbanístico para o local”, lê-se no requerimento. Atendendo à “falta de transparência e de respostas” da IP e da tutela e “uma actuação aparentemente lesiva do interesse público”, o BE considera que importa “esclarecer todo os factos e responsabilidades sobre esta matéria, bem como garantir o acesso aos contratos não só aos grupos parlamentares como a população que se mobilizou numa petição com mais de dez mil assinaturas.
O projecto da cadeia espanhola para a antiga estação ferroviária levou ainda um grupo de cerca de 60 personalidades ligadas à academia e ao património ferroviário a pedir a classificação como imóvel de interesse público e municipal daquele local, defendendo a importância da preservação da antiga estação ferroviária, em risco se o projecto do El Corte Inglés avançar, tendo os dois pedidos sido indeferidos.