Carlos Carreiras: “Passos não é passado, é presente”
O presidente da Câmara de Cascais critica a liderança de Rui Rio por “desrespeitar” os estatutos do partido, acusando-a de tentar impor candidatos autárquicos.
Em entrevista ao programa Hora da Verdade, do PÚBLICO e da Renascença (onde passa esta quinta-feira às 23h), Carlos Carreiras diz esperar ver o seu nome validado pela direcção do partido para um terceiro mandato. Avisa que, na sua coligação com o CDS, recusa dar “boleia a radicais” do Chega.
No último fim-de-semana apanhou um susto com as cheias no centro de Cascais. Como é possível que, apesar do que foi feito ao longo dos anos, isto ainda aconteça?
Infelizmente vai acontecer cada vez mais. Quando ouvimos falar nas alterações climáticas, não temos uma ideia associada do impacto negativo que têm. Já começa a ser cientificamente provado que cada vez há mais situações desta natureza, assim como os fogos acabam por ter uma incidência mais forte. Temos vindo a fazer um conjunto de operações — desde a valorização das ribeiras, desde barragens de contenção até ao desassoreamento daquela ribeira. No ambiente urbano, a chuva com muita intensidade, que foi o caso desta, num curto período de tempo, provoca inundações. Foi um momento difícil, mas o impacto foi menor do que o das chuvas de 1983.
Na gestão da pandemia, pôs a câmara a dar máscaras, a comprar ventiladores, testes de covid-19. Onde é que foi buscar o dinheiro?
Fui buscar a todo o sítio aonde o Estado vai buscar que é aos munícipes. Cascais tem, de facto, uma gestão muito rigorosa e conseguimos com isso ter contas equilibradas. Agora, estamos a investir o dinheiro para manter a coesão social no apoio aos que ficaram mais fragilizados. Mantivemos os investimentos na câmara, não reduzimos o investimento público tão necessário à economia do país e, ainda assim, conseguimos baixar impostos.
Isto é só possível numa câmara rica como a de Cascais, com boas receitas, ou a generalidade das câmaras tem autonomia para agir?
A Câmara de Cascais não é rica, porque, senão, arrisco-me depois a ter um conjunto de pedidos para os quais não há recursos para os satisfazer. É uma rica câmara...
Mas em IMI tem uma receita...
Há outras câmaras que têm outro tipo de receitas. Na Área Metropolitana de Lisboa as câmaras estão com situações económico-financeiras bastante robustas. Há câmaras que tomaram uma determinada direcção de políticas, há outras que não a tomaram. Há câmaras que estão a acumular em bancos vários milhões de euros.
Compreende que isso se faça neste tempo?
Tenho sempre alguma reserva em criticar os meus colegas, porque cada realidade é uma realidade. Essa não foi a nossa opção. Dos vários planeamentos que fizemos desde o início, só vejo [Cascais] livre da covid em finais de 2022. Não quero alarmar ninguém. Não estou a falar só da questão sanitária – estou a falar do impacto económico e dos apoios sociais que serão mais intensos até finais de 2022, a própria geração de emprego.
Em termos de verbas, tem uma ideia de quanto representa?
Depende das várias áreas. Se estivermos a falar no investimento das máscaras, testes, o estimado é que seja da ordem dos 40 milhões de euros – há que abater algumas poupanças que se fizeram. Não foi possível, por exemplo, cumprir todo o calendário de activação da marca Cascais. Antes da pandemia estávamos a apoiar, na alimentação, 1500 famílias. Depois crescemos rapidamente para 4500 famílias e neste momento estamos a chegar às 6000 famílias. Se pensarmos que cada família anda na média de três ou quatro membros por agregado, isso significa que 10% da população de Cascais, se não fossem estes apoios, estaria a passar fome.
Deveria ter havido uma melhor articulação entre o Governo central e as autarquias?
Sou um profundo defensor da descentralização do Estado central para os municípios e esta pandemia veio demonstrar a importância das autarquias. Os presidentes de câmara foram absolutamente fundamentais na resposta à pandemia naquilo que é o núcleo central de uma autarquia, que é estarmos mais próximos dos problemas – logo, mais próximo de encontrar soluções.
É considerado um autarca modelo e até esteve na corrida a um prémio com o seu colega de Braga. Foi também coordenador autárquico no PSD nas eleições de 2017, o que lhe valeu ser chamado “incompetente” pelo líder do seu partido. Em que é que ficamos?
A abordagem pode ser por duas vias. Se avaliarmos a incompetência por resultados eleitorais, gostaria de ter também essa análise por parte do líder do meu partido em relação aos resultados das últimas legislativas e europeias, porque foram dos piores resultados que o PSD teve. De facto, nas autárquicas há quatro anos, fui o coordenador autárquico, o resultado foi mau, diria mesmo que foi péssimo. Nessa perspectiva, não fui competente, no sentido de poder ter um resultado melhor, como aspirava. Como disse à época, também digo agora: esse resultado não é só fruto do coordenador autárquico; é fruto dos dirigentes concelhios, que têm de escolher os candidatos; das estruturas distritais, que têm de os validar; e ao coordenador só resta homologar ou não.
Não interpretou esse qualificativo de incompetente como relativo à gestão de Cascais. Espera voltar a ser candidato validado pela direcção nacional?
Espero que sim. Mesmo essas declarações foram infelizes, porque em determinada altura parecia que essa incompetência era muito mais alargada, mas os vossos colegas [do Observador] que o estavam a entrevistar aperceberam-se disso e, quando estava num beco, [Rui Rio] corrigiu o tiro. Espero que seja homologado. Admito que essa minha provocação é um bocadinho para mostrar alguma incoerência e movimento errático a que tenho assistido no actual líder do PSD.
Em Coimbra também houve uma escolha do candidato pela concelhia, validada pela distrital, mas a direcção nacional não homologou e já escolheu outro nome. Que sinais é que a direcção do PSD tem estado a dar em relação às autárquicas?
São opções. Há quatro anos tomámos a opção que era de respeitar aquilo que são as leis, os regulamentos e estatutos do partido, ou seja, não houve uma imposição por parte do líder do partido, e muito menos do coordenador autárquico. Apenas com uma ressalva: não reconduzimos o presidente de Câmara de Pedrógão. Desta vez, ao que parece, e aqui posso estar a ser injusto, porque ainda vai sair muita coisa, o líder do partido disse que nomeava um conjunto de candidatos. Ora, isso não está previsto nos estatutos do partido. Nem sequer é o líder, é a própria comissão política nacional que não pode impor candidatos. Pode homologar ou não o que vem proposto da distrital. No caso de Coimbra, a ficar provado que o candidato não é o dr. Nuno Freitas e que é um nome imposto, é muito perigoso o líder do partido ou a comissão política fazerem opções dessa natureza de desrespeito dos próprios regulamentos internos. Ou tinha alterado os estatutos, ou então ir em incumprimento dos estatutos é complicado. Também vem numa linha... Quando vamos ao congresso, aprova-se um conjunto de moções que vinculam o próprio partido.
Está a falar do apoio ao referendo à eutanásia...
Sim. Quando chega ao Parlamento, uma minoria de deputados não respeita aquilo que o congresso tinha deliberado e um dos que não respeitam é o próprio presidente do partido. Isso é um grande desrespeito para com os militantes e as estruturas do PSD.
Também é verdade que o congresso aprova muitas moções em sentido contrário e que não são aplicadas pelo partido.
Em sentido contrário não. Que não sejam aplicadas sim. Aqui o que aconteceu foi um sentido contrário a uma moção com aceitação muito significativa.
O que é que estes dois exemplos lhe dizem sobre a liderança de Rui Rio?
Dão indicadores que, a meu ver, são negativos. Como também, na minha análise, tem havido uma preocupação maior em fazer oposição a militantes do PSD do que uma oposição maior ao próprio Governo na apresentação e afirmação de uma política alternativa, que seja personalista, reformista e social-democrata. Estes são indicadores que, a meu ver, não favorecem – desfavorecem a própria afirmação da liderança.
O que é para si uma vitória do PSD nas autárquicas? É um maior número de eleitos, mais câmaras?
Eu, melhor do que ninguém, sei quais são as dificuldades de um processo autárquico. Enquanto “laranjinha” era ganhar e ganhar a maioria das câmaras municipais. Mas, com pés no chão, aí estou de acordo com o líder do partido. Ele colocou como objectivo aumentar o número de câmaras, aumentar o número de eleitos e estabelecer uma maior afirmação do partido em certas zonas.
É melhorar o resultado?
Sim, claramente. Na noite das eleições não haverá nenhum partido que perca as eleições. O grande confronto é entre o PS e o PCP. O PCP teve uma hecatombe nas autárquicas e vai necessitar de recuperar alguma dessa força.
Onde é que o PSD devia pôr as fichas todas? Lisboa, Porto?
Se estivermos a falar de população, estamos a falar de Lisboa, Sintra, Gaia, Porto, Loures e Cascais. O PSD tem possibilidades em algumas delas, como em Sintra.
O PSD e o CDS vão ter um acordo autárquico e rejeitam coligações com o Chega. Concorda?
Posso falar por Cascais. Temos um acordo de coligação pré-eleitoral com PSD, CDS e com o apoio de muitos independentes. Tem funcionado bem. Não encontrei razões para alterar este estado de coisas. O partido Chega é um partido unipessoal, ainda não tem uma implantação local forte. Dos poucos dirigentes que eu possa conhecer em Cascais, são muito mais radicais do que o próprio líder do Chega. Considero que não devemos alinhar nem dar boleias a radicais. Digo isto com toda a amplitude. Não consigo fazer uma distinção entre quem possa ter inspirações hitlerianas e alguém que possa ter inspirações estalinistas. Foram dois monstros que tivemos. Não posso aceitar o manifesto, divulgado ontem, por um conjunto de individualidades à esquerda, que querem condicionar a liberdade de imprensa. Imagine-se se viesse o líder do Chega a propor o que está naquele manifesto. Caía o Carmo e a Trindade!
Como é que vê esta polémica sobre os candidatos independentes?
Não me choca nada que haja candidaturas independentes, embora muitos sejam falsos independentes. Do lado do PS e do PSD já ouvi que têm toda a disponibilidade para corrigir o erro.
No PSD, a sombra de Passos Coelho continua a pairar. Disse que estaria na primeira fila, se ele voltasse. Acha que ele tem condições para disputar já o próximo congresso?
Eu estou numa posição antes de essa. Disse que estaria na primeira fila, quando, e a que lugar, Passos Coelho quiser concorrer, porque acho que lhe devo isso, não enquanto militante do PSD, mas enquanto português. Foi um grande estadista, teve de ultrapassar dificuldades monstruosas, sempre na defesa dos superiores interesses da República, ainda é um homem novo. Depois também passou dificuldades na sua vida pessoal. No dia em que quiser, e quando quiser, estarei lá, na primeira fila. Agora, considero que não é justo pressionar, no caso dele seria contraproducente. Passos Coelho responde pela sua cabeça e pela sua consciência. Depende muito da própria análise que ele faz, porque é um acto de vontade. Nunca acreditei em “dom Sebastiões”, nem ele acredita. Agora, se ele tiver essa vontade, esse ensejo, acho que o país não pode desperdiçar um homem com as capacidades dele.
Esse ensejo por Passos Coelho não é sinal de falta de alternativas no partido? O PSD não tem outro futuro que não seja o passado?
Passos Coelho não é o passado, é o presente. Não tenhamos dúvidas sobre isso. Se fizer uma interpretação das palavras que eu disse, é que seria desejável que houvesse uma geração mais nova que se apresentasse, porque o mundo está diferente.
Foi por isso que apoiou Pinto Luz? Acha que tem condições para voltar a ser candidato?
Pinto Luz é meu vice-presidente na Câmara de Cascais. É um quadro competentíssimo, é honesto, sério, e também por uma questão de solidariedade. Tenho tido dele demonstrações de forte solidariedade, lealdade e de forte união para gerir a câmara. Estranho seria se eu não o apoiasse, no momento em que ele considera que é importante na carreira política dele.
E Luís Montenegro também se insere nessas novas gerações?
Sim, com certeza. Eu apoiei-o na segunda volta. Mas há muitos outros nomes. O PSD tem vários quadros da geração dos 40/50 anos que davam bons primeiros-ministros. Não lhe vou dizer, porque sou distraído e posso esquecer-me de alguém. Também não tenho dúvidas nenhumas de que Rui Rio seria muito mais competente do que o actual primeiro-ministro. Daí não ter nenhum rebuço em votar PSD, como votei nas últimas eleições.
O problema é ser líder da oposição?
Não, o problema é chegar a primeiro-ministro. Tem de se ganhar eleições e isso parece-me que é uma grande dificuldade.
Acha difícil chegar lá?
Eu não estou em desacordo com o conteúdo que tem sido transmitido pela liderança do PSD. Estou em profundo desacordo com muitas das formas como essa liderança se tenta afirmar – porque eu não acredito que se consiga afirmar lideranças daquela forma. Se corrigir, e acho que vai a tempo, para as legislativas...
Ainda temos a avaliação das autárquicas...
Eu percebo essa pergunta, porque, pelo menos uma vez, teve uma implicação muito forte. Os eleitores votam de uma forma muito consciente e independente consoante o tipo de eleições.
Rui Rio pode ir até às legislativas?
A meu ver, é mais ou menos o óbvio. Os mandatos são para cumprir. O do dr. Rui Rio acabará no princípio do próximo ano. Num país e num partido democrático, sujeitar-se-á a votos. Já ouvi o dr. Rio dizer que, consoante essa avaliação das autárquicas... que não está agarrado ao lugar e que se vai embora. É uma avaliação que ele terá de fazer, e não sou eu, que não estou naquela função, nem quero estar.