Parlamento canadiano acusa a China de “genocídio” no tratamento dos uigures
Moção foi aprovada sem votos contra, mas com a abstenção do Governo de Justin Trudeau. Pequim nega acusação e denuncia “interferência” nos “assuntos internos” chineses.
A Câmara dos Comuns do Canadá aprovou na segunda-feira uma moção não-vinculativa que qualifica o tratamento oferecido pelas autoridades chinesas aos cidadãos da minoria muçulmana uigur, particularmente na província de Xinjiang, como “genocídio”. A moção foi aprovada por 266 dos 338 representantes na câmara baixa do Parlamento canadiano, numa votação que não teve votos contra, mas várias abstenções e ausências.
Do lado do Governo, que se opôs desde o início à ideia de reduzir o debate sobre os uigures e a China a uma moção parlamentar e que defende uma “abordagem multilateralista”, só o ministro dos Negócios Estrangeiros compareceu na sessão. Marc Garneau absteve-se e declarou que o seu voto “representava todo o Governo do Canadá”, incluindo, naturalmente, o primeiro-ministro, Justin Trudeau.
Ainda assim, vários deputados do Partido Liberal – que é liderado por Trudeau e é maioritário na Câmara dos Comuns – votaram a favor da moção apresentada pelo Partido Conservador, na sequência de um inquérito realizado no ano passado por uma comissão parlamentar.
Vários outros relatórios e investigações de organizações de direitos humanos e de órgãos de comunicação social internacionais dão conta de que, para além de a população uigur ser alvo de repressão e de perseguição religiosa, há cerca de um milhão de cidadãos desta minoria detidos em campos de trabalho forçado na província de Xinjiang.
O Partido Comunista Chinês não nega a existência desses espaços de confinamento, mas assegura não são levados a cabo quaisquer abusos físicos ou psicológicos. Diz que se trata de “campos de reeducação”, destinados a “capacitar” quem lá se encontra, para que percam a disposição e a vontade de promoverem ou se juntarem aos movimentos separatistas e terroristas da região.
“Não podemos ignorar”
A oposição canadiana acusa o Governo de não querer assumir uma posição mais firme sobre estas denúncias por receios de que isso possa prejudicar ainda mais as suas relações diplomáticas e económicas com a China – em crescente tensão e com constantes retaliações desde a detenção de uma directora financeira da empresa chinesa de telecomunicações Huawei, em 2018.
Na sessão plenária de segunda-feira, em Otava, Erin O’Toole, líder dos conservadores, afirmou, citado pela BBC, que esta tomada de posição do Parlamento envia “um sinal claro e inequívoco” à China de que o Canadá “defende os direitos e a dignidade humana, mesmo que isso implique sacrificar algumas oportunidades económicas”.
“Não podemos continuar a ignorar isto. Temos de lhe chamar aquilo que é: um genocídio”, acrescentou Michael Chong, deputado do Partido Conservador.
Justin Trudeau não nega os abusos cometidos pelas autoridades chinesas contra a minoria muçulmana. Sublinha, no entanto, que o termo “genocídio” é “extremamente pesado” e diz que são necessárias investigações mais aprofundadas no Noroeste chinês.
“A melhor forma de demonstrarmos a solidariedade das democracias ocidentais é avançando multilateralmente. [Estamos] extremamente preocupados e desapontados com os relatos sobre aquilo que se está a passar em Xinjiang”, afirmou o primeiro-ministro na sexta-feira, citado pela Reuters.
China critica
Wang Wenbin, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, reagiu esta terça-feira, dizendo que a moção aprovada no Parlamento do Canadá “ignora factos e senso comum”, rejeitando todas as acusações.
Na mesma linha, antes da votação, o embaixador da República Popular da China no Canadá, Cong Peiwu, acusou o Canadá de ingerência nos “assuntos internos” chineses.
“Opomo-nos firmemente [a esta moção] porque contraria os factos e é uma interferência nos nossos assuntos internos. Não está acontecer, de todo, nada que se assemelhe a um genocídio em Xinjiang”, garantiu.
A Câmara dos Comuns canadiana junta-se assim à posição assumida pelo Departamento de Estado norte-americano nos últimos dias da Administração Trump e validada pela Administração Biden.
Através do então secretário de Estado, Mike Pompeo, os Estados Unidos declararam que a China tinha cometido “genocídio” e “crimes contra a humanidade” contra os uigures. O sucessor de Pompeo, Antony Blinken, corroborou essa posição.