Mais de 6500 migrantes morreram nas obras do Qatar para o Mundial 2022
A Amnistia já lhe chamou “forma moderna de escravatura”, mas o Governo diz que número de mortes é normal e a FIFA também considera o número baixo. Trabalhadores provenientes de países asiáticos encontram más condições de habitação, higiene e segurança no Qatar.
Mais de 6500 trabalhadores migrantes morreram no Qatar nos últimos dez anos, desde que o país do golfo Pérsico começou a preparar-se para receber o Campeonato do Mundo da FIFA de 2022, revela uma investigação do Guardian.
Foi em Dezembro de 2010 que a FIFA entregou ao Qatar a responsabilidade de organizar a principal competição de futebol do planeta em 2022. Desde então, a monarquia não poupou em petrodólares para dar corpo a um dos projectos de infra-estruturas mais ambiciosos do século XXI, com a construção de sete estádios novos, um aeroporto, estradas, hotéis, serviços de transporte e uma cidade edificada de raiz.
A força motriz por trás do empreendimento são os milhares de imigrantes provenientes de países asiáticos como a Índia, Paquistão, Bangladesh ou Nepal que todos os anos chegam ao Qatar à procura de trabalho. À sua espera encontram más condições de alojamento, falsas promessas, tarefas perigosas e falta de segurança. Um relatório da Amnistia Internacional em 2013 denunciava o que definia como “forma moderna de escravatura”.
Uma investigação do Guardian vem agora comprovar que, para milhares de migrantes, o que prometia ser uma fuga da pobreza acabou por terminar em morte. Desde que o Qatar recebeu o direito de receber o Mundial, morreram mais de 6500 trabalhadores estrangeiros, embora a contabilização apenas inclua cidadãos da Índia, Bangladesh, Nepal, Sri Lanka e Paquistão.
Os números, que foram fornecidos pelas embaixadas destes países em Doha, não precisam em que sectores profissionais é que as mortes ocorreram, mas o perfil da emigração asiática para o Qatar permite concluir que a sua esmagadora maioria está relacionada com a construção civil. “Uma proporção muito significativa de trabalhadores migrantes que morreram desde 2011 apenas vieram para o país porque o Qatar tinha ganho o direito de organizar o Mundial”, disse ao Guardian o director da FairSquare Projects, especializada em direitos laborais no golfo Pérsico, Nick McGeehan.
A grande maioria dos óbitos é atribuída a “causas naturais”, relacionadas com paragens cardíacas ou falhas respiratórias, mas, segundo o Guardian, este tipo de classificação é feito geralmente sem recurso a autópsias e não permite esclarecer ao certo as circunstâncias da morte.
Um dos casos contados pelo Guardian é o de Madhu Bollapally, um indiano que em 2013 deixou a mulher e o filho de 13 anos para ir trabalhar para o Qatar. Uma noite, o colega de quarto encontrou Bollapally caído no chão sem vida. A morte foi declarada como paragem cardíaca, mas a família diz que o homem de 43 anos sempre fora saudável.
O Governo do Qatar diz que “a taxa de mortalidade entre estas comunidades está dentro do esperado, tendo em conta a dimensão e a demografia da população”, e sublinha que os trabalhadores migrantes têm acesso a cuidados de saúde de excelência no país.
Um porta-voz da FIFA diz que o número de acidentes relacionados com a construção das infra-estruturas necessárias para o Mundial “tem sido baixo quando comparado com outros grandes projectos de construção em todo o mundo”, embora não tenha referido quais.