Covid-19. É preciso aproveitar “redução clara” da pressão nos hospitais. Ainda faltam rastreadores
O presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares reforça “forte queda” na ocupação de camas, mas os números continuam longe do limite de 200 doentes em cuidados intensivos. Portugal tem apenas um terço dos profissionais de que necessita para rastreamento de contactos.
A pressão nos hospitais provocada pela pandemia deve continuar a diminuir na próxima semana, com os internamentos a poderem mesmo descer abaixo três mil até ao dia 26 de Fevereiro, valores que não se verificam em Portugal desde o Ano Novo. Apesar da quebra de todos os indicadores prevista pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), a resposta do país continua a falhar muito no número de rastreadores de contactos disponíveis.
As previsões mais recentes da APAH para as necessidades das unidades de saúde a 26 de Fevereiro apontam para entre 2849 e 3025 pessoas internadas com covid-19, em função de uma diminuição ou aumento de 2% do risco de transmissão (Rt). Isto significa uma descida de cerca de 40% em relação às estimativas da semana passada para os registos que se verificariam a 19 de Fevereiro: a previsão mínima era de 4840 e a máxima 5234. Quer dizer também que até a descida de internamentos verificada durante a última semana superou até as estimativas mais optimistas: o relatório desta sexta-feira da Direcção-Geral da Saúde (DGS) indicava que havia na quinta-feira 3584 doentes com covid-19 hospitalizados.
“São os resultados esperados do confinamento, dentro da perspectiva que tínhamos. Estamos em forte queda e esperemos que estas estimativas se venham a concretizar”, disse ao PÚBLICO o presidente da APAH, Alexandre Lourenço, que fala de uma “redução clara das admissões” em hospitais.
“O impacto maior que se verifica é na redução das novas entradas”, refere. Por outro lado, também há “um aumento das altas” fruto da “afluência muito grande no mês de Janeiro”. O presidente da APAH sublinha que esse alívio dos serviços de saúde deve ser – e já está a ser – aproveitado para que os recursos que começam a ficar disponíveis “sejam utilizados e maximizados para os doentes não covid”.
Resposta plena? É preciso baixar dos 200 doentes em UCI
As previsões da APAH, obtidas através da ferramenta Addapt, com a colaboração da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna e da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, apontam para que existam a 26 de Fevereiro entre 511 e 545 doentes em unidades de cuidados intensivos (casos em ventilação mecânica) e entre 2338 e 2480 divididos por enfermaria e cuidados intermédios. Há também quebras nas necessidades de médicos, enfermeiros e técnicos auxiliares de saúde para as várias tipologias de cuidados.
Alexandre Lourenço avisa que, apesar de se começar a ver “uma luz ao fundo do túnel”, os números de internamentos ainda são “muito elevados, fazendo com que os cuidados não sejam os adequados”. Mas qual é, então, a capacidade dos serviços hospitalares em Portugal? O presidente da APAH afirma que é um dado que não se consegue saber com exactidão porque essa informação “nunca foi disponibilizada”.
“Alertámos para essa necessidade, que se diga qual era a capacidade que os hospitais comunicaram em Setembro passado, quando apresentaram os planos de contingência”, avisa o presidente da APAH, que considera essa informação “essencial” para que todos os hospitais estejam preparados para uma resposta coordenada, algo que “falhou durante o último mês e continua a falhar em termos de mecanismos mais profissionais de coordenação entre as várias instituições”.
Essa melhor organização, continua, vai permitir assegurar que hospitais como o Fernando da Fonseca (Amadora-Sintra) ou o Garcia de Orta (em Almada) “não continuem a ter o grosso da resposta covid” quando já são instituições limitadas e com “áreas de afluência muito grandes”.
“Tem de existir uma preocupação muito grande de diluir este peso [dos doentes covid] nas instituições para que consigamos ter alguma equidade de acessos a cuidados de saúde. É uma preocupação que temos”, referiu Alexandre Lourenço.
Aquilo que são as "linhas vermelhas” de hospitalizações estão, por isso, dependentes dessa capacidade que nunca foi tornada pública, mas as estimativas “consensualizadas” que a APAH aponta cifram-se à volta dos 200 infectados em unidades de cuidados intensivos e cerca de “mil, dois mil doentes acamados”. Números que devem atingir-se com níveis diários “na ordem dos mil a dois mil casos diários”, dos quais “cerca de 7%” necessitariam de internamento e, desses, à volta de 10% dariam entrada nos cuidados intensivos.
Para garantir uma resposta do sistema “mais eficiente”, o presidente da APAH entende também que “não faz sentido desmantelar os hospitais de campanha que foram instalados”, sendo ferramentas muito úteis para “libertar os hospitais para prestar cuidados a doentes não covid” ao permitirem dar aí continuidade ao tratamento de infectados em cuidados continuados ou de doentes com uma infecção moderada em que a “perspectiva de evolução seja baixa”.
São precisos menos rastreadores, mas ainda não há suficientes
Das previsões anteriores para as desta semana, verifica-se no relatório da APAH uma descida para metade nos profissionais de saúde necessários para rastreio de contactos. As previsões apontavam, a 19 de Fevereiro, para a necessidade de pelo menos 7784 rastreadores em saúde pública para as tarefas de inquéritos epidemiológicos e contactos de vigilância activa; o relatório semanal mais recente calcula que o número necessário para responder a todas as necessidades esteja entre 3140 e 3433 profissionais de saúde pública.
O número de rastreadores continua a ser “uma grande preocupação” para a APAH, visto ser uma situação “que não está minimamente resolvida”, segundo os dados mais recentes que falam de “cerca de 1100, um para dez mil habitantes”.
“Pelos valores que temos de incidência da covid-19, percebemos claramente que não temos os meios para garantir que a infecção é controlada pela estratégia de procurar, testar e isolar doentes. Isso continua a ser dramático, não temos os recursos necessários para aplicar essa estratégia de uma forma adequada”, avisa Alexandre Lourenço.
A directora-geral da Saúde, Graça Freitas, disse esta semana em entrevista ao PÚBLICO que havia ainda quatro mil inquéritos epidemiológicos em atraso. Uma realidade bastante menos dramática que a vivida em Janeiro, quando chegaram a estar pendentes 56 mil, mas que não permite conter a pandemia.
“Podemos anunciar muitas políticas de testar, testar, testar, mas sem termos estes meios no terreno, que procurem activamente contactos, que testem essas pessoas e que garantam o isolamento dos contágios potencialmente em risco, dificilmente vamos conseguir controlar a pandemia e voltamos sempre à estaca zero”, conclui o presidente da APAH.