Ex-chefes militares criticam mais poderes para CEMGFA e alertam para “desequilíbrios”
João Gomes Cravinho vai apresentar no Parlamento uma proposta de lei para alterar a estrutura superior de comando das Forças Armadas.
Antigos chefes militares condenaram neste sábado a proposta do Governo para reforçar poderes e competências do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), alertando para eventuais riscos de desequilíbrio e subalternização dos três ramos das Forças Armadas (FA).
Na quarta-feira, em entrevista à Lusa, o ministro da Defesa Nacional revelou que vai apresentar no Parlamento, nas próximas semanas, uma proposta de lei para alterar a estrutura superior de comando das Forças Armadas (FA) visando reforçar a autoridade e competências do CEMGFA, que passará a ter o comando operacional de toda a actividade militar.
Contactados pela Lusa, antigos responsáveis militares, recordando que o número de efectivos deveria rondar os 30 ou 32 mil em vez dos actuais cerca de 26 mil, criticaram o poder político por constantes alterações à legislação sem o necessário reforço de meios humanos, materiais e financeiros das FA para que possam cumprir cabalmente as suas missões.
“Os governos, seja este ou anteriores, PS ou PSD... não custa muito, não é muito caro fazer leis. Depois, logo se vê se elas se cumprem ou não. É mais caro obter recursos, meios materiais e humanos. O problema das FA não é a estrutura, é a escassez de meios de toda a ordem”, sentenciou o general piloto-aviador Luís Araújo, CEMGFA entre 2011 e 2014, sublinhando o excelente desempenho “na pandemia" e nas “Forças Nacionais Destacadas”.
O general chamou a atenção para o facto de o ministro da Defesa Nacional pretender que o conselho de chefes (militares) passar a ser “consultivo e não deliberativo”. “O CEMGFA não tem de se chatear nem justificar, junto dos chefes. Isto é apoucar os chefes dos ramos. Atenção, que eu fui CEMGFA, tenho as duas experiências. Portanto, os chefes deixam de ‘despachar’ com o ministro”, criticou.
Gomes Cravinho sublinhara que, entre os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), já não se encontra “um modelo parecido com o português" na medida em que “já evoluíram para um modelo mais adequado que é o CEMGFA ter autoridade sobre os três ramos e também sobre as novas valências, da Ciberdefesa e da Saúde militar”.
Os três ramos das FA “continuarão a existir e a ter uma identidade própria e vincada” e não está em cima da mesa a criação de um Estado-Maior único, disse o responsável pela tutela.
“Nas democracias, há sempre — como se viu agora nos Estados Unidos — “checks and balances” (equilíbrios). Isto, concentra mais, em excesso, no CEMGFA”, afirmou Luís Araújo.
O almirante Melo Gomes, antigo Chefe do Estado-Maior da Armada (Marinha), declarou não conceber “esta reforma isolada de uma revisão da organização do Estado no âmbito da Defesa porque o problema das FA não é a questão da estrutura superior, mas a adequação dos objectivos definidos em relação aos recursos disponibilizados: financeiros, operacionais, apoio social, Saúde e condição militar”.
“As FA são um corpo estratificado, com 900 anos de História, que não pode estar permanentemente sujeito a reformas. Nos últimos anos, houve uma reforma em 2009, uma em 2014, uma que está ainda em curso em 2020 e já se está a pensar noutra!”, indignou-se.
O comandante de uma operação de resgate na Guiné-Bissau, durante a guerra civil naquele país africano em 1998, na qual foram resgatadas cerca de 1200 pessoas, de diversas nacionalidades, alertou que, perante as intenções do governante, a “autoritas” dos chefes dos ramos fica diminuída, em relação aos seus subordinados, que pode levar a consequências muito grave, que é preciso ponderar devidamente, tal como o que se passa com movimentos inorgânicos”.
Melo Gomes serviu também as forças marítimas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) durante o período crítico em que foi accionado o artigo 5.º, após o ataque terrorista de 11 de Setembro de 2001 contra diversos alvos nos Estados Unidos.
O general Pinto Ramalho, ex-Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), também concordou que se trata de “uma desvalorização da posição dos ramos” e “centralizar no CEMGFA tudo aquilo que é a relação com a tutela política”.
“É retirar a capacidade de informação e de conhecimento. Quem, realmente, sente as tropas, quem sente a evolução dos ramos e as necessidades do dia-a-dia são os chefes dos ramos e não o CEMGFA. É uma redução da capacidade de intervenção dos chefes, o que é, necessariamente, negativo”, disse o actual director da Revista Militar e presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.
Segundo Gomes Cravinho, o objectivo global da reforma é permitir que o CEMGFA “tenha à sua disposição a qualquer momento as forças de que precisa para executar as suas missões” e favorecer uma “visão de conjunto” sobre as necessidades e processos de investimento das FA.
De acordo com as linhas gerais da proposta do Governo, as alterações à Lei Orgânica de Bases das Forças Armadas (LOBOFA) reforçam a autoridade do CEMGFA e os chefes dos ramos “passam a depender do CEMGFA para todas as áreas da actividade militar, incluindo o planeamento, direcção e controlo da execução da estratégia de defesa militar, a administração de recursos e capacidades militares”.
O Conselho de Chefes de Estado-Maior deixará, na proposta do ministro da Defesa, de ter as actuais competências deliberativas e de coordenação, passando a ter principalmente funções de consulta.