Bruxelas abre infracção contra Portugal por falhas na lei contra a lavagem de dinheiro

Comissão encontrou lacunas na transposição de directiva de 2015 em Portugal, na Alemanha e na Roménia. É a segunda vez num ano que Lisboa recebe avisos de Bruxelas.

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A Comissão von der Leyen afirma que as lacunas de um Estado-membro afectam toda a União Rui Gaudêncio

A Comissão Europeia abriu um procedimento de infracção contra Portugal por considerar que a quarta directiva europeia de prevenção do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo através do sistema financeiro foi transposta de forma incorrecta.

A Alemanha e a Roménia também são alvo de um processo pelo mesmo motivo. Através de um comunicado emitido nesta quinta-feira, a Comissão dirigida por Ursula von der Leyen afirma que os três países “devem resolver aspectos fundamentais do quadro de luta contra o branqueamento de capitais, tais como o intercâmbio adequado de informações com as unidades de informação financeira (UIF) [dos outros países], as obrigações de vigilância [que os bancos e outras entidades têm de ter] quanto à clientela e de cooperação adequada entre as UIF, ou a transparência dos registos centrais de beneficiários efectivos”.

Os três governos têm agora dois meses para responder aos argumentos da Comissão. O executivo português diz que o fará “dentro do prazo estipulado” e promete pôr em marcha “todas as alterações necessárias para cumprir a legislação​, respondeu ao PÚBLICO o gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, que preside à comissão de coordenação das políticas de prevenção do branqueamento de capitais.

Se não o fizer, ou se Bruxelas continuar a considerar que as deficiências encontradas persistem, a Comissão pode avançar para a segunda fase da infracção, enviando um parecer fundamentado. Se o problema não for resolvido, poderá apresentar uma queixa perante o Tribunal de Justiça da UE.

Por norma, Portugal procura evitar esse desfecho e, por isso, é expectável que o volte a fazer, sob pena de, não agindo, comprometer a reputação do Estado português depois de ter ficado sob os holofotes internacionais por causa das revelações financeiras do caso Luanda Leaks.

Questionado pelo PÚBLICO sobre quais foram os problemas colocados pela Comissão, o gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais afirma que “respeitam a questões muito pontuais de índole profundamente técnica, como a delimitação de alguns conceitos financeiros complexos ou a extensão de determinadas obrigações de diligência, relativamente a algumas das quais a Comissão Europeia entende inclusivamente que a transposição pode ter sido mais exigente do que o necessário”.

A directiva em causa é de 20 de Maio de 2015. Os governos nacionais tinham de dar cumprimento a essas orientações até 26 de Junho de 2017 e Portugal transpôs a directiva parcialmente nesse ano através da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, que entraria em vigor 30 dias depois.

Prevenir casos de utilização indevida dos bancos e de todo o sistema financeiro em operações de lavagem de dinheiro (por exemplo, com a introdução de receitas ilegais ou resultantes de elisão fiscal na economia legítima) é central para a União Europeia, porque, como lembra a Comissão, se houver lacunas legislativas num Estado-membro (neste caso, em três), essas falhas têm impacto em todo o mercado único.

A questão é relevante tanto para as transacções realizadas dentro do mercado comum, como para aquelas que envolvem países terceiros considerados de risco por terem maiores deficiências na prevenção do branqueamento de actividades ilícitas e prevenção do financiamento do terrorismo na Europa.

O Luanda Leaks — exposto em Portugal pela SIC e pelo Expresso, parceiros do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação — colocou a descoberto as fragilidades do sistema financeiro português, e dos supervisores, no controlo de operações suspeitas de branqueamento de capitais e crimes conexos.

É a segunda vez em um ano que Bruxelas coloca Portugal no radar por causa da transposição de directivas europeias que se destinam a combater a lavagem de dinheiro. Em Fevereiro do ano passado, quando o país acabara de ficar sob atenção internacional por causa do Luanda Leaks, a Comissão abriu um procedimento de infracção idêntico pelo facto de Portugal não ter concluído, à data, a transposição da quinta directiva, o que acabaria por fazer mais tarde.

Na altura, estava em causa o atraso na operacionalização das orientações da directiva mais recente, a quinta; agora, está em causa uma alegada transposição incorrecta da directiva anterior.

Embora não refira casos específicos, Bruxelas sublinhou nesta quinta-feira que “os recentes escândalos de branqueamento de capitais revelaram a necessidade de [existirem] regras mais rigorosas a nível da UE”.

O Parlamento Europeu lembrava em Julho que a Comissão Europeia estima que 160 mil milhões de euros da economia europeia (cerca de 1% do Produto Interno Bruto anual do conjunto da União Europeia) estarão “ligado a actividades financeiras suspeitas, como o branqueamento de capitais relacionado com a corrupção, o tráfico de armas e de seres humanos, o tráfico de droga, a evasão e a fraude fiscais, o financiamento do terrorismo e outras actividades ilícitas”.

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