Governo avança com repatriamento de portugueses no Brasil “por razões humanitárias”
Ministro dos Negócios Estrangeiros diz que já foram recebidos pedidos de 70 portugueses que se encontram no Brasil e que, “por razões de saúde, necessitam de regressar a Portugal”, razão pela qual está a ser organizado um voo de repatriamento destinado a pessoas nesta situação.
O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, anunciou esta quarta-feira o repatriamento de portugueses que se encontram no Brasil e que precisam de regressar a Portugal por “razões humanitárias”.
Em 27 de Janeiro, o Governo suspendeu os voos de e para o Brasil entre os dias 29 de Janeiro e 14 de Fevereiro, uma medida “de último recurso” por causa da nova variante de covid-19 e já prolongada pelo menos até 1 de Março, e que poderá manter-se depois dessa data.
“Na altura, falei com o ministro das Relações Exteriores do Brasil, ao qual expliquei que era uma medida que tomávamos não por qualquer avaliação negativa da situação epidemiológica do Brasil, mas porque vivíamos uma situação epidemiológica muito difícil em Portugal e tínhamos de tomar medidas desta natureza última”, explicou Santos Silva, numa audição na comissão parlamentar de Assuntos Europeus, respondendo assim à questão colocada pela deputada do BE Fabíola Cardoso quanto aos pedidos de repatriamento de portugueses no estrangeiro.
Após a renovação da suspensão, o chefe da diplomacia de Portugal afirmou ter dado instruções à embaixada e aos serviços consulares portugueses no Brasil “para começarem a identificar os casos em que, por razões humanitárias, era necessário apoiar o repatriamento das pessoas”.
Até ao momento, o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) já recebeu pedidos de 70 portugueses que se encontram no Brasil e que, “por razões de saúde, necessitam de regressar a Portugal”, razão pela qual Portugal está a organizar um voo de repatriamento destinado a pessoas nesta situação. Nada foi referido sobre uma data para o voo em causa.
O PÚBLICO questionou o MNE, tendo fonte oficial respondido que “está em preparação um voo de apoio ao regresso a território nacional por razões humanitárias”, cujas “coordenadas específicas serão comunicadas oportunamente, assim que se conclua o processo de obtenção das autorizações indispensáveis”.
O Governo ainda está a receber indicações sobre esta matéria, acrescentou o ministro, no sentido de procurar identificar os casos que precisam desta ajuda, nomeadamente pessoas que foram de férias sem perceber a gravidade da situação epidemiológica, pessoas que não têm recursos financeiros ou que estão a passar por dificuldades de natureza familiar.
Para Santos Silva, “estas pessoas cabem numa definição lata e humanista daquilo que são razões humanitárias” e às quais o Governo procura dar resposta.
Contudo, o responsável alerta que esta ajuda não pretende “incentivar as pessoas a comportamentos que não devem ter”, recordando os episódios de Maio do ano passado, quando “ainda havia pessoas na União Europeia que aproveitavam para realizar viagens de cruzeiro”, incluindo portugueses, situação que Santos Silva lamentou.
“Nós temos de desincentivar comportamentos que não podemos ter agora”, alertou, considerando as recentes mutações do vírus que têm sido identificadas no Reino Unido, África do Sul e Brasil e sobre as quais ainda não há informação suficiente.
“É essa a razão de ser da nossa suspensão de voos de e para o Reino Unido, de e para o Brasil, e temos de definir com critério, verificando como podemos apoiar, que é também nosso dever, aqueles que por razões humanitárias devem ter o seu repatriamento apoiado”, concluiu.
Centenas de pessoas em dificuldades
Fonte oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) já tinha afirmado ao PÚBLICO que os serviços consulares portugueses no Brasil estavam “a recolher a informação indispensável para verificar as situações de emergência sofridas por nacionais portugueses não residentes nesse país, as quais justifiquem a realização de voo humanitário”.
O PÚBLICO questionou o Governo sobre as situações que envolvem cidadãos brasileiros com residência em Portugal, mas não obteve resposta. Por parte das autoridades brasileiras não está prevista a realização de voos de repatriação de cidadãos brasileiros, recomendando-se a que procurarem rotas alternativas.
Dos dois lados há diversas pessoas em dificuldades. Uma petição pública intitulada “Retorno de cidadãos portugueses e de residentes em Portugal retidos no estrangeiro” e dirigida ao Governo português, contava esta quarta-feira com 881 assinaturas. Com origem no Brasil, a petição pede ao executivo que “ajude os cidadãos portugueses e os estrangeiros residentes em Portugal a regressar a Portugal”.
“Muitas destas pessoas retidas fora do seu país natal ou de residência estão com problemas em manter alojamento e outras despesas básicas nos países onde se encontram retidos. Muitas famílias estão separadas, muitas pessoas anseiam voltar a casa e rever os seus cônjuges, filhos e familiares próximos. Muitas destas pessoas precisam de voltar, mesmo que de forma online, aos seus trabalhos e às suas escolas em Portugal”, lê-se na petição.
A petição foi lançada por Catarina Miranda, uma cidadã portuguesa que, com a sua família, residiu no Brasil nos últimos anos. A suspensão dos voos apanhou-a a meio das mudanças, quando voltou sozinha para este país com o objectivo de trazer os seus dois cães.
Ao todo, Catarina Miranda diz que conhece “mais de 160 pessoas em situações semelhantes”, incluindo “grávidas sozinhas e prestes a ter que ter as crianças no Brasil”, pessoas “que estão a ser despedidas dos seus trabalhos por falta de comparência”, “mães e pais separados dos filhos”, e pessoas “que precisam com urgência de voltar para apoiar familiares doentes”. “São muitas situações realmente trágicas”, sublinha, explicando que foi por isso que criou a petição.
Ao PÚBLICO, chegaram também relatos de cidadãos brasileiros que estão retidos no seu país de origem e em dificuldades uma vez que que não conseguem voltar para Portugal, onde têm o seu emprego. Da mesma forma, há também centenas de brasileiros em Portugal à espera de regressar. Foi criado um grupo de WhatsApp que contava com cerca de 300 membros até esta segunda-feira.