Direitos e deveres de padrastos e madrastas
A lei, desde 2015, coloca os padrastos e as madrastas à frente dos avós e quaisquer outros familiares na linha de preferência para o exercício das responsabilidades parentais em caso de impedimento de ambos os progenitores.
Os divórcios não param de aumentar desde os anos setenta do século passado, e o número de crianças nascidas fora do casamento já supera as nascidas no seio de uma família “tradicional”. As famílias reconstituídas são uma realidade cada vez mais presente no mundo ocidental, e Portugal não é exceção.
Neste contexto, é inevitável o surgimento de cada vez mais casais que coabitam com filhos de anteriores relacionamentos dos seus parceiros. O que equivale a dizer que também o número de padrastos e madrastas tem crescido exponencialmente.
Padrastos e enteados com uma vivência em família durante anos cria, como é bom de ver, laços afetivos entre uns e outros.
Ora, na eventualidade de divórcio ou falecimento, por exemplo, do pai ou mãe biológicos, que direitos (e deveres) poderá ter o padrasto ou madrasta relativamente ao seu enteado?
Na eventualidade de um dos progenitores se encontrar impedido, por qualquer razão, de exercer as responsabilidades parentais relativamente aos filhos, o seu exercício caberá, naturalmente, ao outro progenitor.
Porém, na eventualidade de ambos os progenitores biológicos se encontrarem impedidos e não puderem, por isso, exercer as responsabilidades parentais relativamente aos filhos, será o padrasto/madrasta quem será chamado a esse exercício, substituindo os pais. E isto, note-se, mesmo que subsistam avós paternos ou maternos. Na verdade, a lei, desde 2015, coloca os padrastos e as madrastas à frente dos avós e quaisquer outros familiares na linha de preferência para o exercício das responsabilidades parentais em caso de impedimento de ambos os progenitores.
E pouco importará que o padrasto/madrasta fosse casado(a) com o progenitor impedido ou apenas vivesse com ele(a) em união de facto: em ambos os casos ele(a) será chamado a exercer as responsabilidades parentais sobre o seu enteado.
Trata-se esta, como é bom de ver, de uma solução controversa que conta com detratores. Há quem entenda, com efeito, que os avós deveriam, nesta circunstância, preferir aos padrastos. Ou, pelo menos, que a lei não deveria consagrar qualquer ordem de preferência, deixando aos tribunais a decisão a tomar em cada caso.
Por nós, entendemos que a melhor solução passaria, efetivamente, por deixar a decisão aos tribunais de família, não se definindo qualquer ordem de preferência entre avós e padrastos ou madrastas. Desta forma, permitir-se-ia encontrar a solução que melhor se adequaria a cada criança e a cada família.
E o que sucede nos casos de divórcio ou separação do casal? Será que ao padrasto ou madrasta assiste o direito de manter o contacto com o seu enteado, nomeadamente podendo reivindicar a fixação de um regime de visitas?
A lei não prevê, ao menos expressamente, este eventual direito dos padrastos e madrastas. O art. 1887.º-A do Código Civil consagra apenas a possibilidade de fixação de um regime de contactos em benefício de irmãos ou ascendentes (avós, bisavós, etc.). Ficam, assim, fora da previsão legal uma série de outras pessoas com quem a criança poderá ter desenvolvido laços afetivos significativos, como sejam, para além dos padrastos e madrastas, outros familiares, como tios e primos, e até terceiros (padrinhos, etc.).
Ora, mal se compreende esta omissão se, nomeadamente no caso dos padrastos ou madrastas, poderão eles ser chamados, em certos casos, à titularidade das responsabilidades parentais em detrimento de outros familiares, inclusive dos avós…
É certo que algumas decisões dos nossos tribunais, reconhecendo as especiais ligações existentes com as crianças, fixaram já regimes de contactos com familiares e outros terceiros não referidos expressamente no art. 1887.º-A. Muitas mais serão, todavia, as sentenças judiciais que negaram a fixação de um regime de visitas com o argumento, meramente literal, que apenas os irmãos e avós se poderão beneficiar da previsão do art. 1887.º-A.
Sabendo-se que, nestas matérias, o interesse supremo a acautelar é o das crianças, será porventura tempo de rever o art. 1887.º-A do Código Civil, nele fazendo incluir menção expressa a outros familiares, e até terceiros, com os quais a criança possa ter desenvolvido relações estruturantes e de especial afetividade e que, por isso mesmo, devem ser acauteladas.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico