Um grupo de dezoito enfermeiros enviou esta quinta-feira ao conselho jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros uma participação disciplinar contra a bastonária, Ana Rita Cavaco.

Em causa estão declarações públicas da bastonária dos enfermeiros feitas após ter sido divulgada uma alegada vacinação indevida da presidente da Câmara de Portimão, Isilda Gomes. Ao Observador a autarca justificou a vacinação com o facto de ser “obesa” e “hipertensa”.

No Facebook, a bastonária decidiu comentar o caso desta forma: “Presidente da Câmara de Portimão. A gorda fura filas. Malvada a hora que nasci magra.”

O comentário valeu a Ana Rita Cavaco várias críticas, incluindo de Maria Augusta Sousa, bastonária da Ordem dos Enfermeiros entre 2004 e 2011, que, num artigo de opinião no PÚBLICO, pediu desculpa pelo comportamento da actual líder da Ordem e sugeriu que o conselho jurisdicional “abra o necessário procedimento disciplinar”.

Ao PÚBLICO, Manuel Lopes, professor na Universidade de Évora e ex-coordenador da Rede Nacional de Cuidados Continuados, que é o primeiro signatário da participação disciplinar, fez uma ressalva no sentido de explicar que o que está em causa não é um ataque a uma pessoa.

“O que está em causa são comportamentos de pessoas que exercem funções numa associação profissional de direito público que tem como principal função a defesa dos cidadãos”, explicou, sublinhando que se trata de uma associação de direito público e se trata de uma pessoa que exerce funções em nome do Estado.

“Ninguém exerce funções deste tipo apenas das nove às cinco e jamais se pode exercer recorrendo a argumentos que podem atentar contra a dignidade de seja quem for”, afirmou.

Mais casos

Na participação, a que o PÚBLICO teve acesso, os signatários requerem a instauração de procedimento disciplinar a Ana Rita Cavaco com vista à aplicação da correspondente sanção disciplinar, “pela verificação de fortes indícios de violação dolosa de diversas normas legais enunciadoras de deveres deontológicos dos enfermeiros”.

Alegam que “a violação de tais deveres deontológicos é de tal forma grave e danosa da imagem e reputação públicas da Ordem e da profissão de enfermeiro, que, no entendimento dos signatários, justifica a aplicação da pena disciplinar máxima, isto é, a expulsão”.

E na participação não é apenas feita referência ao que a bastonária escreveu sobre a presidente da Câmara de Portimão. Os signatários fizeram uma recolha de outros comentários que Ana Rita Cavaco fez na página de Facebook, em que também se identifica como bastonária da Ordem dos Enfermeiros.

“Nessa sua página de Facebook, a senhora enfermeira Ana Rita Cavaco escreveu, em 11 de Dezembro de 2020, reportando-se à senhora enfermeira Leila Sales, tratar-se de uma “uma Leila qualquer”, imputando-lhe o recrutamento de voluntários para eventual participação na vacinação contra a covid-19 “. E acrescentam que nesse escrito lê-se ainda: “[Na Ordem dos Enfermeiros] (...) a cadeia de comando é clarinha como água e terei mão extremamente pesada para invenções ou más intenções. Num processo tão sério e importante não haverá espaços para parvoíces ou voluntarismos de pessoas com outras intenções. Fica o aviso.” Para os signatários, esta publicação representou uma ameaça a outra enfermeira.

Outro comentário refere-se a Francisco Rodrigues Araújo, presidente da Assembleia Municipal de Arcos de Valdevez: “Este cavalheiro (...) veio dizer (...) que sou demagógica, porque o acusei de fazer vacina sem ser prioritário e ter dado uma desculpa de chico esperto. (...) Fixem-no bem, tenho costela minhota, venha cá abaixo falar-me sem demagogia seu traste (...).”

Entre os exemplos do que escreveu a bastonária está ainda um comentário sobre o colunista Daniel Oliveira, no dia 6 de Fevereiro:  “(...) O Daniel Oliveira e outros que como ele não passam de um esterco que fala de mim para ter palco e nunca ganhou eleições na vida (...) E não existem sobras de vacina, seu esterco. Defensor de fura filas. Aprende a não falares do que não sabes, não é a tua área. A tua área é mais vigarices com graus académicos. Eu sou mestre, tu não, cumprimentos ao teu Pai.”

E, como nota final, os signatários referem que a 3 de Janeiro Ana Rita Cavaco escreveu: “A ministra da Justiça diz que tem todas as condições para continuar. Tem tantas como a minha avó que já morreu”, fazendo acompanhar o seu escrito do seguinte texto: “Vou dizer o que penso, até morrer! E se me F…. muito a cabeça. Depois de morrer venho cá dizer o resto.”

Para o grupo de enfermeiros que fez a participação disciplinar “o vernáculo de que a senhora enfermeira Ana Rita Cavaco usa nas suas publicações no Facebook, em página que a identifica como bastonária da OE, é indigno de um dirigente máximo de uma associação pública profissional, degradando gravemente a sua reputação e percepção públicas”.

Assim entendem que os factos  descritos indiciam, grave e consistentemente, a violação, com dolo directo e reiteração, das normas e deveres seguintes deontológicos dos membros da OE: “o de respeito pela dignidade humana, o de contribuir para a dignificação da profissão, o de contribuir para a dignificação da Ordem e da profissão, o da defesa dos valores humanos e abstenção de formulação de juízos de valor sobre o comportamento da pessoa, não lhe impondo os seus próprios critérios e valores no âmbito da consciência e da filosofia de vida”.

Contactada pelo PÚBLICO, a bastonária da Ordem dos Enfermeiros preferiu não fazer qualquer comentário. Também contactámos o presidente do conselho jurisdicional para saber se vão ou não instaurar um processo disciplinar à bastonária, mas até ao momento não foi possível obter uma resposta.

Maioria fez parte de listas nas últimas eleições

A maioria dos signatários da participação disciplinar fez parte de uma das listas que se candidatou às eleições para bastonário da Ordem dos Enfermeiros em 2019. Assim, entre os dezoito signatários está Belmiro Manuel Pereira da Rocha, que liderou a lista B, com o lema “Enfermagem - A Causa Maior. Aliás, pelo menos onze dos signatários integraram a lista de Belmiro Rocha nessas eleições contra Ana Rita Cavaco.

Na participação disciplinar está também o nome de Gonçalo José Baptista Cabral, que liderava a lista que foi excluída das eleições por ter mulheres a mais.  Na altura, a comissão eleitoral alegou que, na candidatura ao Conselho de Enfermagem da lista D, que concorria sob o lema “Futuro já! Dignificar a Ordem, valorizar os enfermeiros”, havia sete elementos do sexo feminino e três do sexo masculino, desrespeitando assim a lei de representação equilibrada entre homens e mulheres na Administração Pública (Lei 26/2019) que exige o mínimo de quatro elementos de qualquer dos sexos”.