De urso polar e sequóia todos temos um pouco

Para além de nos afectarem directamente, as alterações climáticas podem afectar-nos de forma indirecta e essa será, provavelmente, a forma mais preponderante. Muitas doenças infecciosas são sensíveis às condições climáticas. Já tivemos a nossa dose de pandemias para umas décadas, não?

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REUTERS/Susanne Miller/USFWS/handout/File Photo

Muito do debate público acerca das alterações climáticas está centrado nas suas consequências para a economia, indústria ou até mesmo para algumas espécies icónicas mas tudo isto é menos importante do que a nossa saúde ou sobrevivência.

Discutimos muito se as alterações climáticas são induzidas pelo ser humano e pouco as alterações que o clima induz no ser humano. Pensamos mais nos ursos e sequóias do que na nossa própria espécie.

Simplificadamente, as alterações climáticas abrangem não só os efeitos do aumento da temperatura média global mas também a acidificação dos oceanos e a acumulação de pequenas partículas no ar que respiramos.

A existência de uma atmosfera relativamente densa permite a existência de vida na Terra, porém, a acumulação excessiva de gases com efeito de estufa faz com que o planeta aqueça consideravelmente. A temperatura média global pode aumentar entre 2 a 5 graus nos próximos 100 anos, um valor semelhante ao aumento desde a última era do gelo.

As temperaturas externas afectam directamente a nossa capacidade de regular a temperatura corporal interna e resultam numa cascata de doenças que inclui desidratação, agudizações de doenças crónicas e em última instância, óbitos. Estima-se que a onda de calor que varreu a Europa no Verão de 2003 foi responsável por 40 a 50 mil mortes.

Para além de nos afectarem directamente, as alterações climáticas podem afectar-nos de forma indirecta e essa será, provavelmente, a forma mais preponderante. Muitas doenças infecciosas são sensíveis às condições climáticas. A temperatura, pluviosidade e humidade afectam largamente a replicação, maturação e viabilidade de organismos vectores e a abundância de reservatórios.

A cada dois minutos, uma criança morre de malária. Em termos globais, desde 2000 que o progresso nesta área estagnou. De forma preocupante, em alguns países, a malária está a aumentar. Com o aumento das temperaturas mais territórios terão faixas de temperaturas óptimas para a dispersão da doença através dos mosquitos. Acho que já tivemos a nossa dose de pandemias para umas décadas, não?

Apesar de vivermos numa época em que mais pessoas morrem por excesso de calorias do que por défice, projecta-se que o número global de pessoas em subnutrição aumente para mais de 840 milhões em 2030.

Devido aos eventos climáticos extremos e acumulação de ozono a produção agrícola poderá diminuir até 10 a 20% até ao fim do século, em certas zonas. Para além disso, o aquecimento e acidificação dos oceanos com consequente lixiviamento dos corais afectará aqueles que dependam do peixe como fonte proteica. Algumas pessoas terão de optar entre a fome ou fast food.

Todas estas problemáticas convergem num efeito final de pressão migratória sobre as populações. Um refugiado climático não tem acesso a cuidados de saúde permanentes e está mais susceptível a infecções e instabilidade no acesso a alimentos ou medicação.

Em cada ano desde 2008, mais de 20 milhões de pessoas foram impelidas a migrar devido a eventos climáticos extremos. Nenhum sistema de saúde está dimensionado para tal.

Sem uma perspectiva populacional não podemos compreender todas as dinâmicas subjacentes à presença ou ausência de doenças nas populações. Os modelos de indivíduos como agentes isolados, responsáveis pelas suas próprias acções, escolhas e consequências, radicam num pressuposto incompatível com os modelos de determinantes de saúde pública.

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