Reflexos do relaxamento do Natal
Um ano de pandemia provou que a incerteza faz parte do jogo, mas a ausência de cautela não faz. Dois confinamentos gerais e momentos de controlo e confiança alternados com períodos de descontrolo e de ansiedade já nos permitem encarar as opções em aberto com mais sabedoria.
O país parece ter mudado com o brutal impacte dos contágios que surgiram depois do relaxamento do Natal e dos primeiros dias do ano. Nos últimos dias, os dados sobre novas infecções reduziram-se drasticamente e se os internamentos e a mortalidade permanecem em níveis insustentáveis, é pelo menos possível começar a acreditar que o pior pode já ter passado. Só que apesar deste alívio, o Governo deixa passar a mensagem que o confinamento geral vai prolongar-se até final de Março sem que se ouça um clamor geral de contestação.
O PSD criticou o passado, comunistas e liberais levantaram danos pertinentes para o futuro, mas hoje parece claro que o Governo aprendeu uma lição. O país ainda ansioso dá sinais de estar disposto a pagar encargos pesados para evitar as ameaças de descontrolo e caos que viveu nas últimas semanas.
A reunião de ontem no Infarmed deu uma ajuda. As datas do pico de infecções, as curvas da variante inglesa, as projecções matemáticas, os testes ou a falta deles, as previsões sobre o confinamento com base nas estatísticas, a discrepância entre números de infectados e internados, os dados da vacinação produziram desta vez uma interpretação maximalista por parte do Governo. Não temos ainda decisões definitivas para as próximas quinzenas, apenas sinais de que o trauma não foi esquecido.
Na calha está um confinamento prolongado até ao final de Março e o regresso em força à testagem que na Primavera do ano passado deu resultados no controlo da pandemia. Poderá haver direito à prática do surf ou à venda de livros. Mas preparemo-nos para mais dois meses de clausura.
Um ano de pandemia provou que a incerteza faz parte do jogo. Mas a ausência de cautela, não faz. Dois confinamentos gerais e momentos de controlo e confiança alternados com períodos de descontrolo e de ansiedade já nos permitem encarar as opções em aberto com mais sabedoria. Depois das semanas horríveis que passámos, ninguém pode dizer que jogar pelo seguro, ficar em casa até que o alívio chegue ou usar todas as armas à mão, entre as quais os testes em massa, é um absurdo. Os negacionistas saíram de cena. A ciência, tanto como a memória da experiência, ditará as regras. Os erros recentes do Governo deixaram marcas. O trauma das filas nos hospitais privilegia as restrições no presente em detrimento dos custos no futuro.
Vai doer muito, vai ser necessário avaliar situações concretas semana a semana (a abertura das escolas é a mais angustiosa), muitos mais portugueses terão de ser apoiados nas empresas e nos empregos. Mas depois do que aconteceu no último mês, a sociedade portuguesa não deve estar muito aberta a correr riscos.