Variante da África do Sul: duas vacinas com impacto distinto

Depois dos resultados de um estudo preliminar sobre a vacina da AstraZeneca-Oxford, a África do Sul decidiu suspender temporariamente o lançamento dessa vacina no país. Já estudos in vitro mostram que vacina da Pfizer-BioNTech neutraliza o SARS-CoV-2 com mutações das novas variantes.

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Partículas do coronavírus SARS-CoV-2 (a roxo) NIAID

A África do Sul adiou o lançamento da vacina da AstraZeneca-Oxford no país depois de um estudo preliminar mostrar que oferecia uma protecção reduzida a formas ligeiras a moderadas da doença associadas à nova variante identificada no país (a 501Y.V2). Também esta segunda-feira a revista científica Nature Medicine publicou os resultados de estudos de uma outra vacina contra a covid-19, a da Pfizer-BioNTech: experiências in vitro demonstraram que soro de 20 indivíduos vacinados com essa vacina neutraliza o SARS-CoV-2 com mutações de interesse (a N501Y e a E484K) presentes nas variantes inicialmente identificadas no Reino Unido e na África do Sul.

O que levou então à suspensão temporária da vacina da AstraZeneca-Oxford na África do Sul? Um estudo da Universidade de Witwatersrand (na África do Sul), e que ainda não foi revisto pelos pares, refere que essa vacina tem uma “protecção limitada contra formas [ligeiras a] moderadas da doença causada pela variante detectada da África do Sul em adultos jovens”, refere-se num comunicado da instituição, que foi a responsável pelos ensaios da vacina no país.

O estudo teve como base cerca de 2000 voluntários com uma média de 31 anos e que tinham, no geral, uma doença leve. Portanto, a protecção contra uma doença grave, as hospitalizações ou o risco de morte não puderam ser avaliados neste estudo. Resumindo, ao longo do estudo viu-se que a neutralização viral contra a variante foi “substancialmente reduzida” quando comparada com a versão original do vírus. “Estamos a esforçar-nos por desenvolver uma nova geração de vacinas que permitirá que a protecção possa ser redireccionada para variantes emergentes”, reagiu no comunicado Sarah Gilbert, professora de vacinologia da Universidade de Oxford.

Entretanto, a África do Sul decidiu adiar o lançamento desta vacina. “Este é um problema temporário, temos de suspender as vacinas AstraZeneca-Oxford até termos resolvido estes problemas”, afirmou Zweli Mkhize, ministro da Saúde da África do Sul, numa conferência de imprensa online, citado pela agência Lusa. O ministro realçou ainda que a decisão de suspender temporariamente o uso da vacina foi tomada depois do tal estudo que indicava que a vacina oferecia uma protecção mínima contra casos leves e moderados associados à variante.

O programa de vacinação do Governo da África do Sul deveria iniciar-se nos próximos dias com um milhão de vacinas da AstraZeneca-Oxford. Estas destinavam-se sobretudo a profissionais de saúde. O país tinha anunciado também mais de 500.000 doses para Março. Quanto ao que se fará a todas essas doses, Zweli Mkhize disse na conferência: “Queremos que os nossos cientistas aconselhem primeiro o Governo o que fazer com a AstraZeneca e quando é que pode ser aplicada. Não há a intenção de a devolver ao fabricante, o plano é saber dos cientistas como lidar com esta vacina para avançar com a vacinação.”

Quanto à vacina da Pfizer-BioNTech, recentemente Zweli Mkhize anunciou que o seu país tinha reservado 20 milhões de doses. Precisamente sobre esta vacina, o artigo desta segunda-feira na Nature Medicine traz notícias mais animadoras. Estes resultados já tinham sido divulgados antes na bioRxiv, uma plataforma de pré-publicações de acesso aberto. A investigação foi realizada por cientistas da empresa Pfizer e do Núcleo Médico da Universidade do Texas.

Combinação de mutações na vacina da Pfizer-BioNTech

As novas variantes do SARS-CoV2 inicialmente detectadas no Reino Unido (a linhagem B.1.1.7), na África do Sul e no Brasil (a P.1) partilham a mutação N501Y, que aumentará a força da ligação entre a proteína da espícula (responsável pela entrada do SARS-CoV-2 nas células humanas) e o receptor das células. A mutação E484K também já foi encontrada nas variantes da África do Sul e do Brasil, bem como num número limitado de genomas da variante do Reino Unido. Esta mutação está associada a uma menor interacção com os anticorpos neutralizantes contra o SARS-CoV-2.

É importante perceber se as vacinas actuais contra a covid-19 garantem protecção contra estas mutações. Para o saber, uma equipa liderada por Pei-Yong Shi (do Núcleo Médico da Universidade do Texas) e Philip Dormitzer (da Pfizer) fizeram combinações de mutações encontradas nas variantes da África do Sul e do Reino Unido (incluindo a N501Y e a E484K) e testaram-nas num conjunto de soros de 20 participantes que já tinham sido imunizados com a vacina da Pfizer-BioNTech em ensaios clínicos. Esses soros foram obtidos duas a quatro semanas depois de os indivíduos terem sido vacinados com as duas doses em ensaios clínicos. Cada soro foi testado quanto à neutralização de uma versão do vírus sem essas mutações e de outros vírus com as combinações das mutações.

Resultado: verificou-se que houve uma neutralização dos vírus com as mutações. Contudo, a neutralização contra a E484K foi “ligeiramente mais baixa” do que a neutralização da mutação N501Y.

No artigo a equipa avisa que o estudo tem algumas limitações. “Uma das limitações do actual estudo é que os vírus modificados não incluem todo o conjunto de mutações encontrados nas variantes do Reino Unido e da África do Sul”, lê-se no artigo científico. Estas variantes têm cerca de oito mutações na proteína da espícula. Além disso, refere-se que são necessárias conclusões fortes sobre a eficácia das vacinas contra as variantes deste coronavírus.

Também se conclui que a evolução contínua do SARS-CoV-2 exige que se continue a monitorizar a eficácia das vacinas em novas variantes. “Esta vigilância deve ser acompanhada por preparações para a possibilidade de futuras mutações possam exigir mudanças nas estirpes usadas nas vacinas”, recomenda-se.

Num comunicado sobre este estudo, a Pfizer e a BioNTech referem que continuarão a monitorizar as variantes do SARS-CoV-2 e continuar a estudar a eficácia das vacinas. “A Pfizer e a BioNTech acreditam que a flexibilidade da plataforma da vacina de ARN-mensageiro é adequada ao desenvolvimento de novas versões da vacina se for necessário”, consideram ainda. 

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