Cafunfo: polícia angolana detém e espanca activista cívico e avisa população para se manter calada

“Temos de contar a verdade, temos de contar o que vimos”, diz um activista social. MPLA diz que a maior liberdade social na presidência João Loureno está a ajudar a promover o “desrespeito à Constituição e à autoridade instituída”.

Foto
Alfredo Alexandre Moisés, coordenador das comunidades da Paróquia de São José, com uma imagem mostrando um dos mortos de 30 de Janeiro AMPE ROGÉRIO/Lusa

A polícia angolana libertou o catequista e activista cívico André Candala, detido na madrugada deste domingo depois de denunciar a morte de civis na semana passada no Cafunfo, disse à Lusa uma fonte familiar. A mesma fonte disse que Candala foi espancado e queixa-se de "dores na mão e num ombro”. Habitantes da cidade da Lunda Norte, onde na semana passada a polícia matou um número não determinado de manifestantes, disseram que as pessoas estão a ser ameaçadas para não falarem à comunicação social.

“Disseram que não podíamos dar essas informações e que os que falaram estão a dizer mentiras. Mas nós temos de contar a verdade, temos de contar o que vimos, não vou esconder”, disse Alfredo Moisés, coordenador das comunidades da Paróquia de São José, sublinhando que os factos “devem ser apurados”.

Um activista social, que está escondido e pediu para não identificado, disse que foram detidas na madrugada deste domingo seis pessoas.

No sábado 30 de Janeiro, a polícia disparou contra manifestantes num protesto organizado pelo Movimento Protectorado da Lunda Tchokwe (MPLT) para, disseram as forças de segurança, travar um “acto de rebelião”, depois de alguns dos 300 participantes terem tentado invadir uma esquadra do Cafunfo. A polícia admitiu a morte de seis pessoas.

A versão da polícia é contrariada por populares e responsáveis do MPLT segundo os quais se tratou de uma tentativa de manifestação pacífica e previamente comunicada às autoridades, durante a qual morreram mais de 20 pessoas. A Amnistia Internacional confirmou a morte de dez pessoas e os habitantes denunciaram o desaparecimento de cadáveres.

Organizações não-governamentais, bispos da Igreja católica e a oposição angolana condenaram o que dizem ter sido “um massacre” e pediram um inquérito independente sobre os acontecimentos.

O Movimento Protectorado da Lunda Tchokwe luta pela autonomia da região das Lundas, no Leste-Norte de Angola, mas fez saber que o protesto visava denunciar a falta de condições de vida e a desigualdade regional em Angola. A autonomia da região das Lundas (Lunda Norte e Lunda Sul), rica em diamantes, é reivindicada por este movimento baseando-se num Acordo de Protectorado celebrado entre nativos Lunda-Tchokwe e Portugal nos anos 1885 e 1894, que daria ao território um estatuto internacionalmente reconhecido. Portugal, acusam, ignorou a condição do reino quando negociou a independência de Angola entre 1974/1975 apenas com os movimentos de libertação, segundo o movimento.

Uma delegação da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), que integra os deputados Alberto Ngalanela, Joaquim Nafoia, Domingos Oliveira, Sindiagani Bimbi e Rebeca Muaca, e ainda uma activista cívica foi barrada por ordens superiores - segundo o partido - à entrada de Cafunfo e aí se mantém desde quarta-feira.

A Amnistia Portugal considerou neste domingo um “abuso de poder do Estado” não permitir a entrada de deputados e activistas cívicos no Cafunfo. “Além do abuso de violência policial que causou esta tragédia, estamos agora a verificar outro abuso do Estado, que é não permitir aos deputados e activistas que façam o seu trabalho no terreno”, disse à Lusa Pedro Neto, director-executivo da Amnistia Internacional Portugal.

O líder do maior partido da oposição angolana, Adalberto da Costa Júnior, afirmou na sexta-feira que a retenção de cinco deputados é “a confissão clara do massacre praticado” na vila mineira e da ocorrência de “operações de limpeza” na zona.

O Bureau Político do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), no poder, criticou na sexta-feira as vozes que “se levantaram precipitadamente”, entre elas a UNITA, para acusar as autoridades de terem cometido “um massacre contra supostos meros manifestantes”.

Numa declaração sobre os acontecimentos no Cafunfo, município do Cuango, o partido sustenta que o Governo de Angola tem constatado que a maior liberdade de imprensa, de expressão, de reunião e de manifestação, promovida pelo Presidente João Lourenço “está a servir para promover o desrespeito à Constituição e à lei, aos símbolos nacionais, o desrespeito à autoridade instituída, ao património público e à propriedade privada”.

O MPLA diz que esta situação é “perigosa para a estabilidade político-social e contrária ao bom ambiente de negócios atractivo do investimento privado, que se vem criando ultimamente”, diz um comunicado o Bureau Político.

O órgão do MPLA criticou também algumas organizações da sociedade civil, que apontam o dedo às autoridades, acusando-as de terem cometido um massacre contra manifestantes, salientando que “a Constituição da República de Angola estabelece que o território angolano é indivisível, inviolável e inalienável” e que será “energicamente combatida qualquer acção de desmembramento ou de separação de suas parcelas”.

Numa nota sobre o impedimento dos deputados em acederem à vila de Cafunfo, o Presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos, declinou qualquer responsabilidade sobre constrangimentos e disse que a deslocação não foi feita no quadro de uma comissão parlamentar multipartidária, como seria recomendável.

“É de regra que os deputados não se podem deslocar sem a autorização do presidente da Assembleia Nacional”, esclarece a nota de Dias dos Santos.