Há hospitais que já vacinaram funcionários não prioritários, noutros faltam os médicos da linha da frente
Administradora do Beatriz Ângelo disse que “todas as pessoas” daquele hospital já tinham sido vacinadas. Alexandre Lourenço, Presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, diz que não consegue perceber quais são os critérios de distribuição das vacinas pelos hospitais, uma vez que há unidades que nem os prioritários conseguiram vacinar ainda.
Há hospitais que já conseguiram vacinar quase todos os profissionais de saúde e até outros funcionários que o plano de vacinação não indica como prioritários na primeira fase, enquanto outros não conseguiram vacinar, por exemplo, médicos que estão na linha da frente do combate à covid-19. Por exemplo, a Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos (SRCOM) enviou para o novo coordenador do Plano de Vacinação contra a covid-19, o vice-almirante Gouveia e Melo, uma lista com 1037 médicos da região ainda por vacinar e que integram grupos prioritários.
Esta é uma assimetria que Alexandre Lourenço, Presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, diz que não consegue perceber. “Há uma diferença na distribuição das vacinas no processo dos hospitais. Não se percebem os critérios”, sublinha Alexandre Lourenço, defendendo que este processo deve ser claro e transparente. “Não sei se é culpa dos hospitais, se das Administrações Regionais de Saúde, se do Ministério da Saúde “, acrescenta.
Para Alexandre Lourenço há regras a cumprir e aparentemente há hospitais que mesmo cumprindo as regras de vacinar os profissionais prioritários já conseguiram vacinar outros não prioritários. O que significa que receberam mais vacinas. “Qual é o critério?”, não se percebe, insiste.
Um dos hospitais que já vacinou informáticos e até pessoal administrativo foi o Beatriz Ângelo, em Loures, que é uma parceria público-privada com o Grupo Luz Saúde, e alegadamente terá seguido a regra de vacinar os profissionais prioritários. Isto é, os que lidam directamente com os doentes covid. Foi a própria administradora do grupo Luz Saúde, Isabel Vaz, que disse ao Observador que o Beatriz Ângelo conseguiu vacinar mais gente do que o previsto porque extraiu seis doses de vacina de muitos dos frascos. Isabel Vaz assumiu que “todas as pessoas” daquele hospital foram vacinadas e que tenciona fazer o mesmo no Hospital da Luz, que é privado mas está a receber doentes covid do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Porque, segundo a gestora, “a interpretação do grupo é que todas as pessoas de um hospital são críticas para o seu funcionamento e, por isso, devem ser todas vacinadas”. Esta interpretação inclui médicos, enfermeiros, auxiliares, funcionários de limpeza, administrativos, pessoal da manutenção ou informáticos. E até os membros do conselho de administração, onde se inclui Isabel Vaz, que também foi vacinada.
Mas como foi possível que no Beatriz Ângelo fossem vacinadas “todas as pessoas”? Segundo fonte do hospital, foi uma questão de gestão de recursos. À medida que o hospital ia recebendo as vacinas elaborou a lista dos prioritários e ao mesmo tempo tinha um plano B e C. Acontece que, segundo a mesma fonte, havia sempre alguém que faltava. “Ou porque testou positivo à covid, ou porque não quer mesmo ser vacinado ou porque não viu o email”, explicou aquela fonte, sublinhando que o hospital, de cada vez que recebeu vacinas, seguiu sempre as listas pelas prioridades e acabou por chegar aos não prioritários.
No Centro Hospitalar do Médio Tejo (CHMT) também já se vacinaram funcionários não prioritários: três elementos do secretariado e um do conselho de administração. Segundo o CHMT, também foi uma questão de gestão de recursos, uma vez que alguns dos profissionais que foram previamente seleccionados faltaram à vacinação. Como a vacina tem um prazo de validade curto chamaram outros à pressa.
Numa nota publicada no site do hospital, o CHMT diz que para garantir que não interrompe a sua actividade assistencial está salvaguardada a inclusão no plano de vacinação de profissionais cujas funções são essenciais ao seu adequado funcionamento, em particular no apoio às áreas dedicadas à covid-19. “Incluem-se nestas categorias profissionais canalizadores, electricistas, informática gestão de acesso/tramitação de doentes e gestão de recursos humanos entre outros”, lê-se.
O PÚBLICO contactou o Ministério da Saúde para perceber, por exemplo, se o procedimento do Hospital Beatriz Ângelo é correcto e qual deve ser o sistema que os hospitais devem adoptar quando há sobras, mas não obteve resposta.
Muito já se escreveu sobre pessoas vacinadas indevidamente. Para ter a certeza que não acontecem abusos, como a vacinação de pessoas que não pertencem às unidades de saúde, sob o argumento que há sobras de vacinas e que estas têm um prazo limitado, as instituições têm de elaborar listas de suplentes que seguem as orientações do plano de vacinação. Por outro lado, serão realizadas fiscalizações aleatórias pela Inspecção-Geral da Saúde (IGAS). Mas a ideia é apertar o cerco aos prevaricadores e não deixar margem. Ao PÚBLICO, o novo coordenador do Plano de Vacinação contra a Covid-19, o vice-almirante Gouveia e Melo, disse que já começou a rever todo o processo e que vai verificar as fragilidades dos procedimentos para as corrigir e alterar conforme for necessário. ”Estamos a falar de um bem precioso (a vacina) à vida e que deve ser protegido ao máximo”, disse.