As vacinas em gráficos do PS: uma crónica de propaganda visual
Os gestores das redes sociais da bancada parlamentar do PS quiseram transformar um desempenho positivo, mas equiparável ao da Europa, do plano de vacinação numa realidade imaginária destinada a comprovar a genialidade do Governo
Diz a Wikipédia que um “gráfico é a tentativa de se expressar visualmente dados ou valores numéricos, de maneiras diferentes, assim facilitando a sua compreensão”. Só que nesta suposta utilidade nem sempre há a preocupação de dar a compreender o que quer que seja. Como o comprova o gráfico que a bancada parlamentar do PS pôs a circular esta sexta-feira. Nesse gráfico dedicado ao estado da vacinação contra a covid-19 em Portugal, não há manipulação de valores e muito menos invenção de números. Há apenas a opção por uma escala que, bem mais do que procurar a “compreensão” da realidade, pretende antes exaltar uma realidade paralela: a de que Portugal está a ter um desempenho extraordinário na vacinação quando comparado com a média europeia.
Ao usar num gráfico de barras a escala entre 3.10 e 3.46 para revelar a relação de vacinas ministradas por 100 habitantes, a ideia de distância entre a realidade portuguesa e a europeia parece imensa. A imagem gráfica sugere que Portugal tem mais do dobro de pessoas vacinadas. Claro que houve a preocupação de incluir em cada uma das barras os valores exactos do número de pessoas que já receberam a vacina: 3,21 por 100 habitantes no caso da média europeia e 3,44 por 100 habitantes no caso português – estes números foram entretanto actualizados durante esta sexta-feira. Mas, como é sabido e estudado desde que, em 1954 Darrell Huff publicou o seu célebre Como Mentir com Estatísticas, a comunicação visual dos gráficos é a sua componente fundamental. Ao garantir com um simples olhar a apropriação de uma realidade muitas vezes complexa, a proporção das barras imposta pela escolha de uma escala sobrepõe-se aos valores que lhes deram origem.
Bem mais realista e honesto do ponto de vista da preocupação em facilitar a compreensão da realidade seria, por exemplo, alargar a escala, passando-a de 0 a 5. Neste caso, como a imagem abaixo confirma, a situação da vacinação em Portugal seria ainda assim vista como melhor do que a europeia. Mas já sem produzir aquela situação triunfal que exalta a genialidade nacional face a uma suposta mediocridade da Europa.
E pelas mesmas razões, se a escala for ainda mais alargada entre 0 e 10, a façanha deixa de revelar graficamente uma vitória esmagadora do plano de vacinação português para passar a ser um quase empate.
A moral da história é por isso fácil de entender. Os gestores das redes sociais da bancada parlamentar do PS quiseram transformar um desempenho positivo, mas equiparável ao da Europa, do plano de vacinação numa realidade imaginária destinada a comprovar a genialidade do Governo. Entretanto, depois de várias denúncias que ora comparavam a manipulação a cartazes do Chega ou a mensagens alucinadas de Nicolás Maduro na Venezuela, os gestores das redes sociais do PS perceberam talvez que tinham ido longe de mais. E retiraram o gráfico, trocando-o por um bem mais factual (e honesto) cartaz onde simplesmente se dizia ao fim da tarde que em Portugal tinham sido ministradas 364,211 vacinas em Portugal.
Claro que este número assim exposto tão cruamente não tem o valor propagandístico de um gráfico concebido para dizer que na Europa não há quem se compare à eficácia do Governo nas vacinas. Mas é mais real e verdadeiro e, por assim o ser, mais eficaz para provar que o Plano de Vacinação não está a ser o desastre que muitos portugueses suspeitam.
Notícia corrigida às 21h30: onde se lia vacinação por 100 mil habitantes, passou a ler-se por 100 habitantes