Em seis anos mais de 600 casamentos envolveram pelo menos um menor de 18 anos
Governo forma grupo de trabalho sobre prevenção e combate a casamentos infantis, precoces e forçados. SEF tem novo modelo de sinalização de vítimas em viagem para países onde continua a ser comum essa prática e a de mutilação genital feminina
A secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Rosa Monteiro, quer desencobrir e reprimir as práticas tradicionais nefastas. Esta sexta-feira, anuncia um grupo de trabalho sobre prevenção e combate a casamentos infantis, precoces e forçados. E o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras tem um novo modelo de sinalização de vítimas em viagem para países onde continua a ser comum essa prática e a de mutilação genital feminina.
Pandemia travou subida de enlaces
Por lei, quem tem entre 16 e 18 anos pode oficializar uma união, desde que os pais autorizem. Exigindo um aumento da idade legal, várias organizações têm alertado para o incremento do casamento precoce, que aumenta o risco de abandono escolar, gravidez prematura e violência doméstica. E pedido o seu fim.
Os dados do Instituto dos Registos e Notariado citados por Rosa Monteiro apontam nessa direcção: 95 em 2015, 98 em 2016, 108 em 2017, 119 em 2018, 130 em 2019, 78 até Outubro de 2020. São mais de 600 casamentos em seis anos a envolver pelo menos um nubente com menos de 18 anos. Só a pandemia travou a subida. O casamento forçado, esse, sendo crime desde 2015, será uma realidade oculta.
“É um fenómeno complexo”, comenta Rosa Monteiro. Pode estar associado – exemplifica – ao tráfico de seres humanos. “Há um conjunto muito diverso de situações. Precisamos de ter mais informação. Queremos que se faça um levantamento, que se perceba o que existe, até onde o controlo penal é eficaz”, prossegue. “Vários agentes do sistema dizem que haverá muitas situações que fogem ao controlo penal.”
Há distintos pontos de partida. Uns incidem sobre portugueses. Outros seguem a teia dos fluxos migratórios. Os casamentos infantis, precoces, combinados, arranjados, forçados são comuns em vários países. Subsistem em contextos de grande pobreza e em dinâmicas de desigualdade de género. “A maior parte das vítimas é do sexo feminino”, torna Monteiro.
O grupo – com representantes de organismos públicos e de organizações da sociedade civil – terá de desocultar a realidade nacional, olhar lá para fora em busca de boas práticas, escrever um guia de intervenção, definir e lançar uma campanha, pensar em recomendações e propostas. Até final de 2021 terá de apresentar um Livro Branco sobre práticas tradicionais nefastas.
O novo fluxograma de comunicação de suspeita de casamento infantil, precoce ou forçado ou mutilação genital foi elaborado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG). Tal instrumento estava previsto no Plano de Acção para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica, inserido na Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação 2018-2030. É apresentado numa conferência online, esta sexta-feira, a partir das 10h, via zoom ou Facebook da CIG.
Mais de cinco mil profissionais formados
Rosa Monteiro destaca o trabalho de proximidade que tem sido feito junto de comunidades de risco. Em 2018, foi lançada uma linha de apoio para alavancar oito projectos de organizações não governamentais sobre mutilação genital. Quinta-feira, lançou uma nova linha (no valor de 50 mil euros). Diversos municípios da região da Grande Lisboa e da Península de Setúbal integraram este tema nos seus planos locais de igualdade. As comissões de protecção de crianças também têm agora um guia actualizado sobre mutilação genital.
No ano passado, abriu o primeiro espaço de atendimento às vítimas de violência doméstica e/ou de práticas tradicionais nefastas no Centro Nacional de Apoio à Integração de Migrantes em Lisboa. Em breve, igual resposta deverá ser montada no Porto e em Faro.
A secretária de Estado não diz que a mutilação genital está a aumentar. Diz que está a aumentar, sim, “a capacidade de diagnóstico”. Tem havido um esforço para chegar a cada vez mais profissionais. Desde 2018, 5100 participaram em acções de informação / formação. Só no ano passado, apesar da pandemia, 900.
A Plataforma de Dados da Saúde centraliza a informação sobre o fenómeno. Trinta anos é a idade média das sobreviventes de mutilação genital que têm sido detectadas em Portugal. No ano passado, 45 foram sinalizadas em consultas de gravidez, 20 em internamentos, 20 no acompanhamento pós-parto, 16 em consultas de medicina geral, o que dá um total de 101. Foram submetidas ao corte fora de Portugal, a maior parte antes dos 12 anos. Atendendo ao país de origem, destacam-se a Guiné-Bissau (68%) e a Guiné Conacri (21%). Também têm sido detectados casos de mulheres oriundas da Nigéria, do Senegal, da Serra Leoa e de outros países.
A ideia, salienta Monteiro, não é estigmatizar comunidades. É prevenir e combater as práticas tradicionais nefastas através da educação e da capacitação, sobretudo, das lideranças comunitárias, das raparigas e das mulheres.
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