A poluição sonora está a prejudicar a vida marinha. E é prioritário combatê-la
Um estudo publicado na revista Science alerta que até ao nível do som os seres humanos estão a impactar os oceanos. Actividades como perfurações de óleo, explosões e trânsito de navios estão a condicionar a vida dos animais, chegando mesmo a causar surdez e desorientação nos que dependem do som para se orientarem.
Bem abaixo da superfície do oceano, uma cacofonia de ruído industrial está a impedir os animais marinhos de acasalar, de comer e até de fugir dos predadores, avisam os cientistas.
Com navios barulhentos, perfurações de petróleo e explosões de estudos sísmicos, o ser humano alterou drasticamente a paisagem sonora subaquática — em alguns casos, ensurdecendo e desorientando baleias, golfinhos e outros mamíferos aquáticos que dependem das vibrações sonoras para se orientarem, avisam investigadores num meta estudo publicado nesta quinta-feira na revista Science, que analisou mais de 500 artigos.
Até o estalar dos glaciares que derretem nos oceanos polares e o barulho da chuva a cair na superfície da água podem ser ouvidos no profundo oceano, diz Carlos Duarte, o autor principal do estudo, cientista marinho na Universidade de Ciência e Tecnologia King Abdullah, na Arábia Saudita.
“É um problema crónico que certamente enfraquece os animais, desde os indivíduos às populações”, sublinha. “Este é um problema crescente a nível global”.
Estes ruídos e o seu impacto precisam de uma maior atenção dos cientistas e legisladores, especialmente em relação aos efeitos nas tartarugas marinhas e outros répteis, nas aves marinhas, nas focas, morsas e outros mamíferos herbívoros, como os manatins, diz o estudo. A equipa internacional de investigadores pede uma estrutura regulatória global para medir e gerir o ruído no oceano.
Grande parte do ruído causado pelo ser humano deve ser fácil de reduzir, diz Duarte. Por exemplo, medidas como a construção de hélices e cascos de navios mais silenciosos e o uso de técnicas de perfuração que não causem bolhas e vibrações na água podem reduzir a poluição sonora para metade. Fazer com que o mundo usasse mais energia renovável diminuiria a necessidade de perfurações de petróleo e gás.
Os benefícios para a vida marinha poderiam ser dramáticos, diz, observando um ressurgimento da actividade marinha em Abril de 2020, quando o ruído dos navios, normalmente mais alto perto da costa, diminuiu à medida que os países entraram em confinamento devido à pandemia de covid-19.
Segundo o estudo, os humanos não só adicionaram ruído ao oceano, como eliminaram os sons naturais. A caça às baleias no século XX, por exemplo, retirou milhões de baleias dos oceanos do mundo — levando também grande parte do canto das baleias. E o chilrear e tagarelar que rodeiam os recifes de coral estão a ficar mais silenciosos à medida que mais corais morrem devido ao aquecimento, acidificação e poluição dos oceanos.
As alterações climáticas também mudaram a paisagem sonora em partes do oceano que estão a aquecer, ao alterarem o conjunto de animais que lá vive e, consequentemente, os barulhos.
A oceanógrafa Kate Stafford, do Laboratório de Física Aplicada da Universidade de Washington, elogia o timing da publicação do meta estudo, enquanto as Nações Unidas pedem aos governos para reservarem 30% das áreas terrestres e marítimas do mundo para a conservação. “A revisão deixa claro que, para realmente reduzir a antrofonia [ruído humano] e almejar um futuro bem gerido... precisaremos de cooperação global entre os governos”, diz Stafford.