Ministério Público começou a investigar vacinação fraudulenta

Casos da Segurança Social de Setúbal, do INEM e de Portimão são alguns dos pelo menos nove que estão a ser alvo de inquérito, anuncia Procuradoria-Geral da República.

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Daniel Rocha

A Procuradoria-Geral da República revelou esta segunda-feira à tarde que o Ministério Público já abriu vários inquéritos aos casos de alegada vacinação fraudulenta contra o coronavírus que têm sido divulgados.

“Até ao momento o Ministério Público já decidiu pela instauração de inquéritos relativamente a alguns dos casos vindos a público, desde logo os respeitantes à Segurança Social de Setúbal, ao Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) de Lisboa, ao INEM do Porto e a factos também noticiados ocorridos em Portimão (Centro de Apoio de Idosos), Vila Nova de Famalicão, Arcos de Valdevez, Bragança, Seixal e Montijo”, respondeu a procuradoria-geral da República ao PÚBLICO, acrescentando que “este trabalho de pesquisa prossegue ainda relativamente a outras situações que também têm vindo a público”.

A polémica relacionada com as pessoas que estão a ser vacinadas sem terem direito a isso neste momento fez mesmo a Ordem dos Enfermeiros apelar a estes profissionais para que se recusem a inocular os não prioritários.

É a primeira vez que a Procuradoria-Geral da República se pronuncia sobre o assunto, apesar de já ter sido instada a fazê-lo pela Ordem dos Enfermeiros no final da semana. Fá-lo depois de o Ministério da Saúde ter assumido, durante o fim-de-semana, que promover a vacinação de utentes não prioritários podia dar direito a sanções disciplinares mas também criminais. 

Nem a tutela nem o Ministério Público adiantaram ainda que tipo de crime pode estar em causa nestas situações, existindo mesmo juristas que entendem que as condutas em causa podem ser ilegais sem no entanto infringirem normas que dêem direito a pena de cadeia, ainda que suspensa. 

Para o advogado Melo Alves podem ter sido cometidos crimes como a burla ou, no caso de se tratar de funcionários públicos, o peculato, que é mais grave, sendo responsabilizável quer quem mandou vacinar quer quem aceitou ser vacinado sabendo não ter direito a isso. O ex-ministro da Administração Interna e penalista Rui Pereira entende por seu turno que, no limite, se poderia falar em homicídio por negligência, caso se provasse que alguém morreu por a sua vacina ter sido desviada para outra pessoa.

Já no entender do professor da Faculdade de Direito do Porto André Lamas Leite será difícil responsabilizar criminalmente quem não for funcionário público. “Não encontrei qualquer forma de punir estes comportamentos, seja por via penal, seja contra-ordenacional. O que significa que tais condutas apenas poderão ser sancionadas no domínio disciplinar e civil”, escreve num artigo de opinião no PÚBLICO em que reclama a aprovação de uma lei de segurança sanitária que resolva este tipo de imbróglios legais suscitados pela pandemia. 

A polémica que suscitaram dois casos sob suspeita já gerou outras tantas demissões. A militante socialista que dirigia a Segurança Social de Setúbal, Natividade Coelho, abandonou o cargo depois de ter alegadamente mandado vacinar 126 funcionários, incluindo ela própria. O director regional do Norte do INEM fez o mesmo após ter fornecido vacinação a empregados de uma pastelaria do Porto próxima das instalações daquele serviço. 

Nesta última situação, como em várias outras, os prevaricadores alegaram que se tratava de sobras da vacina que se iriam estragar, uma vez que, desde que é diluída até ser administrada, à temperatura ambiente, não podem passar mais de seis horas. Este tem sido também o argumento usado em vários outros países para ministrar o produto a pessoas sem prioridade. 

Perante isto, o secretário de Estado-adjunto e da Saúde, António Lacerda Sales, avisou que haverá “tolerância zero” para com as vacinações indevidas e que o plano de vacinação contemplará listas suplementares de utentes para as vacinas sobrantes. Mas são palavras que não tranquilizam o ex-bastonário dos médicos José Manuel Silva, que defende a demissão de todos quantos levaram a cabo este tipo de prática. 

“Tolerância zero significa o quê? Que alguém vai ser responsabilizado por tudo o que está a acontecer ou esta afirmação corresponde apenas a dialéctica política vazia de conteúdo?”, interroga-se o médico, que está à frente de três enfermarias covid-19 no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra onde nem todos os profissionais foram ainda vacinados. “E depois assistimos a casos destes, de absoluta impunidade”, lamenta. “Depois admiram-se com o crescimento dos extremistas em Portugal”. 

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