No dia das eleições presidenciais, levantei-me às 10h e às 10h30 já estava posicionada na fila para votar no meu posto de recenseamento, na freguesia lisboeta mais multicultural de Portugal: Arroios, onde mais de 79 nacionalidades convivem. Não tomei pequeno-almoço, nem tomei duche, mas postei uma selfie no meu Facebook, documentando um momento para mim histórico, pessoal, e empoderador. Tamanho era o entusiasmo para exercer o meu direito de voto pela primeira vez como cidadã portuguesa naturalizada.
A fila era quilométrica, espaçada, e os tímidos raios de sol marcavam-na nalguns troços do trajecto. Começava na Rua de Anjos, no Lisboa Ginásio Clube, e estendia-se pela Almirante Reis, aproximando-se da Padaria Portuguesa. A fila andou rápido, no entanto.
Às 11h37, eu estava diante da mesa eleitoral 17, aquela onde depositei o meu voto a favor de um Portugal que pode ser mais inclusivo, diversificado e cosmopolita. Um Portugal que invista mais no financiamento das ciências sociais para a criação de políticas públicas que combatam o racismo contra ciganos ou afrodescendentes, a discriminação contra refugiados, a xenofobia. Um Portugal que combata a narrativa de cinematografia western que fomenta a masculinidade tóxica e nos separa, entre bons e maus, bandidos e justiceiros. Ou, ainda, as narrativas que desprezam a ciência e ignoram a cultura democrática e criativa do país que me recebeu há 15 anos e que continua a receber imigrantes dos quatros cantos do mundo. Só em 2019, 180.006 pessoas naturalizaram-se portuguesas, mais do dobro do número de nascimentos registados em Portugal, como foi reportado na imprensa nacional.
Vim sozinha do interior do estado de Minas Gerais (Brasil) para Lisboa, quando tinha apenas 21 anos, um diploma de jornalismo e muitos sonhos. Queria conhecer outras culturas, outras línguas, outras gastronomias. Escolhi Portugal para visitar, mas com a intenção de ficar, porque tinha cá amigos. Não fazia ideia de que poderia, de facto, residir e construir uma vida ou uma comunidade de laços fortes neste país de belas paisagens, boa comida e bom vinho, e gente reservada, mas muito amável. Tive vários vistos, visto de turista, visto de estudante sem permissão para trabalhar, visto de estudante com permissão para trabalhar, autorização de residência e, por fim, fui naturalizada portuguesa ao fim de seis anos como residente.
Antes de ser naturalizada, concluí neste país um mestrado e um doutoramento, para o qual obtive uma bolsa de estudo da Fundação para a Ciência e Tecnologia. O Estado português investiu na minha formação científica e profissional. É neste Portugal que acredito, num país que vê um imigrante como alguém que pode acrescentar e não retirar. Que acolhe, inclui e transforma. Não quero que esta mensagem soe ingénua ou romântica, afinal sei que há muito mais por fazer para combater as assimetrias de género e raciais (só para citar algumas) e para tornar as instituições públicas e privadas mais igualitárias. Não podemos permitir, por exemplo, que o discurso de ódio seja professado por políticos nos meios de comunicação tradicionais e mainstream, como a televisão ou, pior ainda, no parlamento português.
O meu primeiro voto foi um acto ansioso de esperança por uma sociedade portuguesa moderna e inclusiva. Neste sentido, apelo aos imigrantes naturalizados residentes em Portugal que se apropriem também dos seus deveres como cidadãos e que exerçam o seu direito cívico nas próximas eleições. Infelizmente, os resultados destas eleições presidenciais são uma evidência de que a sociedade portuguesa poderá retroceder a galopes, se continuar assim. E o nosso papel como eleitores conscientes é crucial para a manutenção de uma sociedade democrática.
Afinal, o projecto ideológico de construção de uma mentalidade tacanha e isenta de valores humanistas e democráticos, está em marcha avançada pela extrema-direita em Portugal e no mundo. Para que esta marcha seja reduzida ou até mesmo levada a zero em Portugal, é preciso, por exemplo, que as instituições governamentais portuguesas, bem como os meios de comunicação social, reajam em simultâneo através da criação de campanhas publicitárias éticas e coberturas jornalísticas socialmente responsáveis, contra os estereótipos negativos de grupos historicamente excluídos e marginalizados, que invistam muito mais em educação informacional e literacia digital das populações do interior de Portugal, e que a ciência deixe de ser sobretudo um privilégio de uma classe elitista, num país em que um licenciado é considerado doutor. Votemos.