Capazes do melhor e do pior
A ciência foi até onde podia ir. Agora está na hora de os políticos e gestores se organizarem e se mostrarem à altura dos cientistas e profissionais de saúde. Precisamos de mais vacinas e depressa.
O diretor geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, referiu-se ao risco de falha moral catastrófica no processo de produção e distribuição global de vacinas. A sua preocupação centra-se na dificuldade em possibilitar o acesso aos países de baixo rendimento. Há precedentes, quer com medicamentos quer com vacinas, em doenças infeciosas e num conjunto de outras condições negligenciadas.
A Pfizer conta com três estruturas europeias e três americanas, envolvidas completamente na produção de vacinas. Houve uma comunicação pública de colaboração com empresas como a Catalent ou a Thermo Fisher Scientific. O representante da sua parceira BioNTech disse publicamente que não se tratava de uma corrida em que o primeiro ganharia todo o mercado da imunização para o afamado coronavírus. Afirmou a necessidade de várias empresas terem uma vacina, face a uma procura enorme que não poderia ser suprida por apenas um participante.
A Moderna anunciou uma parceria com a suíça Lonza. Outra empresa envolvida nesta colaboração é a Rovi, na vizinha Espanha. Há registo de também haver um acordo com a Catalent. O acordo com a Lonza é para produção de vacinas, durante dez anos, destinadas ao território europeu. O acordo com a Rovi é para preparação das vacinas na sua fase final, de enchimento dos recipientes e embalamento. A ação da Moderna, consequente à sua dimensão, já se fazia com este tipo de colaborações.
Outras vacinas estão no horizonte, com múltiplas promessas sobre milhões de unidades para estes países e mais milhões de unidades para aqueles territórios. A Emergent BioSolutions trabalha com a Johnson & Johnson e com a AstraZeneca. Já foi reconhecido que não conseguem dispor de mão de obra suficiente.
De repente, somos confrontados com notícias sobre uma redução de produção e uma dificuldade de entrega. Os representantes da União Europeia vieram mostrar a sua preocupação. É preocupante, sem dúvida.
A Sanofi ofereceu-se para ajudar na produção de vacinas dos concorrentes, face ao atraso no desenvolvimento da sua. O facto de quererem uma vacina própria impede de produzirem a molécula responsável pela obtenção de imunidade e, possivelmente também, da estrutura usada para o seu transporte para as células. Os detentores destes medicamentos já aprovados “ficaram de pensar no assunto”, de entregarem a produção a outra multinacional. Não se ouviram mais novidades sobre este assunto. Mais instalações para manufatura são necessárias. Não se conhecem novas ofertas.
A pergunta que se coloca é: “qual é a dificuldade em estabelecer parcerias para aumentar a produção das vacinas já aprovadas?”. Não se pede para haver uma entrega da patente. Quem fez o desenvolvimento deve ter os seus direitos protegidos, mas é assim tão complicado estabelecer parcerias com empresas com estrutura de produção já montada ao invés de estar a criar unidades de raiz? A falta de matéria-prima ou um número de funcionários insuficiente justifica esta situação? Parece haver aqui uma grande confusão e uma enorme falha na gestão.
A imunização mais rápida salvará vidas, que poderão ser perdidas pela infeção e pelo colapso dos serviços de saúde. A salvaguarda destes permitirá que possam estar disponíveis para outras condições clínicas. A cobertura vacinal da população diminuirá o risco de aparecimento de variantes do vírus. A economia poderá iniciar a sua recuperação mais cedo. A sociedade poderá olhar para esta crise e recessão e iniciar um avanço que se espera substancial. Tal só poderá ser possível de forma global, com sincronização e em tempo útil.
Houve uma concertação admirável entre Estados, indústrias farmacêuticas, academia e organizações ou indivíduos que intervieram a título particular. Conseguiram-se agentes profiláticos. Esta concertação não deve ser suspensa a partir do momento em que se passa à produção, deixando o mercado funcionar de forma não regulada. O mercado não trabalhou bem no passado, com atrasos tremendos no acesso a inovação por certos países, com sacrifício dos seus povos. O mercado continua a não funcionar bem.
A ciência foi até onde podia ir. Agora está na hora de os políticos e gestores se organizarem e se mostrarem à altura dos cientistas e profissionais de saúde. O mundo continua à espera que estes se entendam e façam a parte que lhes compete. Precisamos de mais vacinas e depressa.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico