Num campeonato de sobrevivência não há espaço para preconceitos ideológicos
Urge analisar e definir, com os recursos à disposição, novos modelos de cuidados de saúde. Abandonemos, de uma vez por todas, os preconceitos ideológicos e assumamos um Sistema Único de Saúde.
Nenhum sistema de saúde estava preparado para enfrentar uma situação como aquela que vivemos. Nem em Portugal nem em qualquer outro país do mundo.
Assistimos diariamente a filas de ambulâncias à porta dos hospitais, a serviços sobrelotados, sem camas disponíveis, à exaustão de milhares de profissionais de saúde que, ainda assim, dão o seu melhor. Assistimos a um combate que, tendo de ser travado, secundariza as respostas a outras doenças que continuam a matar, e muito, em Portugal. Assistimos à rutura do Serviço Nacional de Saúde (SNS), cujas fragilidades ficaram ainda mais expostas com a pandemia.
Situações excecionais exigem medidas excecionais e corajosas. Não estamos a concorrer num campeonato de popularidade. Concorremos, sim, num campeonato de sobrevivência. Por isso, o fecho de escolas, apesar de representar um prejuízo que todos gostaríamos de evitar, peca apenas por tardio. No imediato, torna-se também urgente aumentar a capacidade de testagem e de vacinação, bem como robustecer a hospitalização domiciliária e reforçar as equipas de saúde pública, com elementos de intervenção rápida junto da comunidade, capazes de detetar e conter as cadeias de transmissão.
O momento que vivemos é demasiado grave para respostas erráticas e circunstanciais. É demasiado grave para que a ideologia política se sobreponha à solidariedade e ao dever de cidadania. Como qualquer crise, também esta pode ser geradora de oportunidades. E uma delas é olhar a Saúde a médio e longo prazo com pensamento e planeamento estratégicos. Não a desperdicemos.
Ninguém duvida de que o SNS foi uma das conquistas mais importantes da democracia do nosso país. Porém, 40 anos passados, e em pleno contexto pandémico, também ninguém poderá duvidar de que terá de ser diferente de hoje em diante. Se os tempos de espera para cirurgias e as marcações de consultas e de exames complementares de diagnóstico já não respeitavam os princípios da universalidade e equidade subjacentes ao SNS, afigura-se, no pós-pandemia, um agravamento das desigualdades.
Urge analisar e definir, com os recursos à disposição, novos modelos de cuidados de saúde. Abandonemos, de uma vez por todas, os preconceitos ideológicos e assumamos um Sistema Único de Saúde. Mais do que nunca, tornou-se evidente que todos somos poucos para responder às atuais exigências. Público, privado, social e, até mesmo, militar podem e devem integrar um só sistema. A transversalidade e a cooperação inter-hospitalares são essenciais para assegurar cuidados de saúde que se querem de excelência e centrados no indivíduo. Muito para além dos recursos, a troca de experiências e partilha de conhecimento entre as instituições e os profissionais é fulcral. Pensar um Sistema Único de Saúde não é violar os princípios que estiveram na base da criação do SNS. É ter a humildade de reconhecer que o mundo mudou e que essas mudanças exigem novas respostas. É ter a capacidade de antever que, se nada for feito, teremos, muito em breve, doentes de primeira e doentes de segunda.
São várias as lições a tirar desta pandemia. Uma delas é clara: a política de saúde será prioritária nos próximos tempos. Porque, sem saúde, não há política económico-financeira, por melhor que seja, que sobreviva.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico