Um novo estímulo à quimera de centralizar os direitos televisivos no futebol
O acordo anunciado pela FPF e pela Liga é um primeiro passo, mas, para já, apenas isso. Como ambas as instituições explicaram, a intenção conjunta de centralizar os direitos desportivos não terá aplicação imediata.
A relação entre direitos televisivos e o futebol português é um tema historicamente fértil em debate. Há quem concorde. Há quem não concorde. Há quem concorde, mas só na teoria. Há ainda quem concorde, mas não para já.
Depois de muitos anos de debate, os decisores do futebol nacional parecem, em tese, estar em uníssono: todos parecem, até ver, concordar com a negociação centralizada dos direitos televisivos, depois do acordo anunciado nesta quarta-feira entre a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Liga de Clubes.
“Trocado por miúdos”, tal significa vender o produto futebolístico como um todo, acabando com o sistema em vigor, segundo o qual cada clube negoceia, individualmente, a transmissão televisiva dos seus jogos – e recebe conforme a sua capacidade negocial e, claro está, o seu mediatismo.
Um sistema que não prejudica os clubes mais fortes, capazes de firmar contratos chorudos, mas que deixa os mais pequenos – e não tão apelativos como produto televisivo – com receitas modestas.
Em abstracto, trata-se de acabar com um método que abre um fosso de desigualdade e assimetria de receita entre os clubes mais fortes e os restantes. Para o consumidor também não é um modelo interessante, já que, para ver todos os jogos, tem de pagar os serviços de vários operadores.
Este modelo é algo até já pouco visto, com Portugal e Chipre a serem apontados como únicos países europeus a resistirem à mudança.
Governo “ameaçou"
Depois de meses de trabalho nesta matéria, João Paulo Rebelo, Secretário de Estado do Desporto, anunciou, na semana passada, que o Governo iria ter dedo no tema e forçar uma legislação que obrigue os clubes a negociarem os direitos televisivos de forma colectiva.
Sensíveis à “ameaça” estatal, a FPF e a Liga anunciaram, nesta quarta-feira, sem precisarem da referida legislação, um memorando de entendimento para negociação centralizada dos direitos televisivos.
Escaldado pela inércia e desavenças históricas dos decisores futebolísticos nesta matéria, João Paulo Rebelo congratulou-se com prudência e deixou o alerta: “É uma boa notícia, porque é um entendimento espontâneo, não forçado pela legislação (…) mas independentemente de haver entendimento ou não, legislação haverá sempre, porque caso não haja bom entendimento ele será feito pela força legislativa”, frisou nesta quarta-feira.
O acordo anunciado pela FPF e pela Liga é um primeiro passo, mas, para já, apenas isso. Como ambas as instituições explicaram no comunicado, a intenção conjunta de centralizar os direitos desportivos não terá aplicação imediata.
O entrave está nos contratos individualizados já rubricados entre os clubes e os diversos operadores televisivos, cuja duração força o adiamento do plano pelo menos até 2028.
Nesse sentido, FPF e Liga de Clubes apelaram à centralização dos direitos desportivos como um plano a concretizar até à temporada 2027/28. Mesmo tratando-se de um plano a médio prazo, este já é um passo tremendo. E há muito esperado.
Cenário já foi estudado
A luta pela centralização dos direitos televisivos é antiga e sofreu um revés em 2015. À data, o plano estava dependente da vontade dos principais clubes: Benfica, FC Porto e Sporting.
Nessa altura, o Benfica era um dos clubes que se mostrava favorável à ideia, mas rapidamente mudou de ideias, inviabilizando a negociação colectiva.
Quando fez o contrato individual com a NOS, Luís Filipe Vieira, presidente dos “encarnados”, explicou que a chegada de Pedro Proença à liderança da Liga, em vez de Luís Duque (que o Benfica apoiava), espoletou a desistência do clube lisboeta.
“A centralização nunca foi uma prioridade para Pedro Proença, que nunca assumiu qualquer compromisso sobre verbas mínimas para os clubes. E não foi só o Benfica que passou a encarar a centralização como um processo quase impossível”, detalhou o dirigente, ao Expresso, deixando implícito que Sporting e FC Porto também não estavam muito interessados no plano de negociação global.
Neste cenário, tudo ruiu. Os “grandes” negociaram por si e os contratos de longa duração adiaram em uma década o cenário idílico.
Para estes clubes estava em causa, sobretudo, a convicção de que, com direitos televisivos negociados de forma centralizada, receberiam menos, além de que, no modelo actual, o fosso para os clubes mais pequenos lhes permite vencer mais vezes e com maior facilidade.
O que falta?
O plano que agradará a todos – os grandes e os pequenos – passará por um modelo “misto”. Nesse cenário, o “bolo” total seria negociado e distribuído em conjunto pelos clubes, com base numa distribuição equilibrada dos valores, havendo uma parcela a ser distribuída com base no mérito desportivo – modelo aplicado em grande parte das principais ligas europeias.
Qual é, então, a desvantagem que motiva a descrença de parte da opinião pública neste plano? Os “grandes” poderão passar a receber menos do que recebem actualmente na negociação individual do seu produto, mas João Paulo Rebelo garante que o plano é que ninguém saia prejudicado.
“Uma negociação centralizada pode trazer maior vantagem financeira a todo este processo, o que significa que os clubes, em princípio, não serão prejudicados, antes pelo contrário. Manterão ou subirão a receita que advém destes direitos de transmissão e a ideia é que os que recebem menos receberem um bocadinho mais”.
Em último caso, se os “grandes” não gostarem da centralização, haverá sempre a legislação do Governo. A essa será difícil fugirem.