Alguns vencedores e vencidos
Das eleições presidenciais de domingo saíram vencedores e vencidos óbvios, mas também outros para os quais os resultados terão leituras relevantes, como são os casos dos líderes dos partidos.
Vencedores
Marcelo Rebelo de Sousa
As reeleições são difíceis, mas Marcelo Rebelo de Sousa conseguiu uns confortáveis 61,2% dos votos, um score distante dos 52% da segunda eleição de Cavaco Silva. Apesar da pandemia e da abstenção, confirmou-se a grande popularidade do Presidente da República entre os portugueses. O resultado reforça a legitimidade política de Marcelo para servir de contrapeso ao Governo e para, se assim o entender, até fazer um segundo mandato diferente do primeiro, bastante mais crítico do Governo, um hábito entranhado nos presidentes da democracia. A percentagem obtida dá-lhe “mãos livres”.
António Costa
Desde o dia em que, num estranho happening na Autoeuropa, o primeiro-ministro sugeriu a reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa que se percebeu que a aposta de António Costa era o apoio ao actual Presidente. A candidatura de Ana Gomes trocou-lhe as voltas e o PS acabou a declarar liberdade de voto, mas basta analisar o comunicado da Comissão Política em que se discutiu as presidenciais para perceber que os os órgãos socialistas dedicavam alguns parágrafos a elogiar o mandato de Marcelo, enquanto ofereciam a Ana Gomes apenas três palavras — “distinta militante socialista”. A verdade é que uma votação esmagadora em Ana Gomes teria sido uma grande derrota para Costa, e isso não aconteceu. Resta agora aguardar pelo futuro da coabitação, habitualmente mais ácida nas repetições.
Ana Gomes
Esteve praticamente sozinha em campo “minado”, com o PS “oficial” maioritariamente dedicado a Marcelo. Os seus (poucos) apoiantes de peso tiveram aparições curtas e a pandemia não ajudou a campanha. Apesar de tudo, conseguiu quase 13%, um resultado bastante superior ao de Maria de Belém — a sua antecessora que se candidatou contra o PS “oficial”, há cinco anos, e conseguiu uns escassos 4,24%, quando a maioria dos dirigentes socialistas concentrou os seus votos em Sampaio da Nóvoa. Ficou à frente de André Ventura (por pouco), mas fica na história como a mulher candidata que mais votos obteve numa eleição presidencial. Nas últimas eleições, Marisa Matias tinha conseguido 10% e Maria de Lourdes Pintasilgo, em 1986, 7,38%.
André Ventura
André Ventura ficou em terceiro lugar numas eleições a que concorreu pela primeira vez. Deputado único no Parlamento, onde chegou em 2019 com 1,29% dos votos, Ventura conseguiu nas presidenciais quase 500 mil votos, o que correspondeu a quase 11,9% dos votos. Roubou votos à direita e à esquerda (em distritos do Alentejo ficou à frente do candidato comunista), ficou em segundo lugar em vários distritos, mas falhou objectivos que tinha para si: ficar em segundo no país, ter mais de 12% e ter mais votos do que a esquerda toda. Acabou a noite a pedir a demissão porque falhou o objectivo a que se tinha proposto: ficar em segundo.
Tiago Mayan Gonçalves
O candidato da Iniciativa Liberal acabou por fechar a noite melhor do que começou, ao evitar o último lugar (onde passou várias horas) e ficando à frente de Vitorino Silva, conhecido como “Tino de Rans”. Tiago Mayan Gonçalves ficou perto dos 3,2%, com 134 mil votos, mais 66 mil do que em 2019 (legislativas). Esta foi a primeira vez que a Iniciativa Liberal concorreu a eleições presidenciais, depois de chegar ao Parlamento em 2019, onde conseguiu sentar um deputado único por ter obtido 67.681 votos. A onda liberal não varreu o país, mas pode dizer-se que há mais uma voz para passar a mensagem do partido recém-criado.
Vencidos
Francisco Rodrigues dos Santos
O líder do CDS cantou vitória — é verdade que o candidato apoiado pelo partido, Marcelo Rebelo de Sousa, ganhou as eleições —, só que Francisco Rodrigues dos Santos não percebeu ainda bem o que lhe aconteceu e como a ascensão de André Ventura, e previsivelmente também do Chega, ameaça a continuidade do CDS como partido parlamentar — e as sondagens já têm dado pistas neste sentido. Parte do sucesso de Ventura também se deve à inexistência do CDS, que, no seu mandato, tem-se conseguido afundar ainda mais para lá dos fracos resultados das últimas legislativas. Não são discursos de vitória que escamoteiam o essencial: à direita do CDS já não há uma parede.
Rui Rio
Não lembra ao diabo vir dizer que as eleições são “uma derrota do PS” quando é sabido que a maioria do PS institucional declarou o seu apoio a Marcelo Rebelo de Sousa. Rio pode ter alguma razão quando diz que o fenómeno Ventura pode ser transversal, mas dificilmente haveria fenómeno Ventura com este peso eleitoral se o PSD tivesse uma liderança forte, o que permite agora a Ventura gritar que “não haverá Governo sem o Chega”. Portanto, os resultados destas presidenciais permitem-nos extrapolar que Rui Rio estará nas mãos do “Chega” se quiser chegar ao poder — como aconteceu nos Açores. E não haverá pior cartão-de-visita para afugentar o eleitorado moderado, que votou Marcelo, do centro, onde se ganham as eleições
Marisa Matias
Foi uma das derrotadas da noite. Há cinco anos, nas presidenciais de 2016, a candidata do Bloco de Esquerda teve 10,2% dos votos, mais de 424 mil votos. Nas eleições deste domingo, ficou-se pelo quinto lugar — sendo a candidata da esquerda que menos votos recebeu. Teve pouco mais do que 164 mil votos. Além disso, já não é sua a marca de mulher com mais votos em eleições presidenciais. Não só em percentagem como em número de votos. O movimento #VermelhoEmBelém (em reacção aos insultos de André Ventura) pode ter dado ânimo à sua campanha, que a meio caminho estava a perder fôlego, mas não parece ter tido interferência nos resultados.
João Ferreira
O candidato comunista fechou a noite eleitoral com pouco mais de 4% dos votos e pouco acima do que conseguiu Edgar Silva em 2016, que teve 3,95% (foi, então, o pior resultado dos comunistas numas eleições presidenciais). Note-se que João Ferreira é uma cara mais conhecida do eleitorado PCP do que era Edgar Silva. O comunista conseguiu ainda assim ficar à frente de Marisa Matias, do Bloco de Esquerda, invertendo posições face a 2016, mas viu-se ultrapassado pelo candidato do Chega, que, embora dispute um espaço político diferente, conseguiu ficar à frente do PCP em distritos que são bastiões comunistas, como Évora e Beja.
Vitorino Silva
Não é a primeira vez que Vitorino Silva, mais conhecido como “Tino de Rans”, se candidata às presidenciais. Fê-lo pela primeira vez em 2016, tendo conseguido 3,28% dos votos, o que correspondeu a 152 mil votos. Mas apesar de naquele ano Tino de Rans até ter conseguido aproximar-se do resultado do PCP, desta vez ficou em último lugar, com pouco mais do que 122 mil votos. Além disso, perdeu na sua freguesia — a de Rans, no concelho de Penafiel.