Atraso da vacina AstraZeneca não deverá pôr em causa plano português, diz coordenador

Francisco Ramos disse que, sem “percalços”, fase dois arranca “provavelmente” em Abril. Tem expectativa de reforço de entregas da Pfizer em Fevereiro, após quebra este mês. Sobre entrega da vacina da Moderna, notou que “era esperada amanhã [domingo] ou depois, mas vai ser atrasada uma semana”. E rejeita crítica da Liga de Bombeiros sobre “filhos e enteados” na vacinação.

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Daniel Rocha

O coordenador da task force para o plano de vacinação contra a covid-19 em Portugal, Francisco Ramos, afirma que, à partida, o calendário previsto até Abril se manterá, afastando, assim, um eventual impacto decorrente do aviso feito pela farmacêutica AstraZeneca de que teria de cortar em 60% a quantidade de vacinas que poderá fornecer à União Europeia (UE) até Março. Admite que a redução do número de vacinas para Portugal possa ser semelhante à anunciada e que, embora não atrasando a primeira fase do plano, não permitirá antecipá-la.

Ao PÚBLICO, o responsável disse não conseguir confirmar, para já, números exactos sobre a anunciada redução no que respeita a Portugal: “A informação que existe é a de redução a nível europeu. Espero que na próxima semana haja confirmação sobre a redução especificamente para Portugal. Ainda não sei exactamente a consequência para Portugal, imagino que seja semelhante à europeia.” No caso português, esperavam-se 1,4 milhões de vacinas para Fevereiro e Março, o que significa que, tendo em conta o atraso anunciado a nível europeu, esse número pode descer para, pelo menos, cerca de metade.

O coordenador lembrou, no entanto, que a questão só é importante se a vacina for aprovada na próxima semana pela Agência Europeia do Medicamento, mas, de qualquer forma, afirmou que a redução prevista não deverá ter impacto no calendário traçado: “Em princípio, o calendário até Abril mantém-se”, declarou. Porém, explicou também ao PÚBLICO que, embora deva ser “possível cumprir” a primeira fase “até Abril, como está no plano”, o anúncio da farmacêutica faz com que seja “mais difícil antecipar para Março a conclusão” dessa mesma primeira fase.

A multinacional farmacêutica AstraZeneca já avisou a UE de que teria de cortar em 60% as suas entregas de vacinas aos 27 estados-membros, para 31 milhões de doses, no primeiro trimestre de 2020, devido a problemas na sua linha de produção.

Espera-se que a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford em colaboração com a farmacêutica seja aprovada a 29 de Janeiro pela Agência Europeia do Medicamento, tornando-se a terceira a obter luz verde no espaço da UE. O compromisso da AstraZeneca era de entregar 80 milhões de doses aos 27 países durante o primeiro trimestre.

De Março a Junho, a empresa deveria ainda entregar mais de 80 milhões de doses aos países europeus, mas AstraZeneca diz não ser capaz de avaliar ainda se poderá cumprir este compromisso, devido a problemas na fábrica do seu parceiro Novasep na Bélgica, segundo avançou a agência Reuters.

Já à agência Lusa, Francisco Ramos frisou, no entanto, que “a questão não está fechada” e que “a Comissão Europeia e os estados membros insistiram em que seja possível reverter tanto quanto possível a situação”, evitando “pelo menos um corte tão grande”.

E disse também que, “se não houver novos percalços”, a segunda fase arranca em Portugal “provavelmente ainda durante o mês de Abril”. Mostrou ainda expectativa de que se registe um reforço de entregas por parte da Pfizer em Fevereiro, isto depois, notou, de uma quebra este mês. Sobre a entrega da vacina da Moderna, referiu que “era esperada amanhã [domingo] ou depois, vai ser atrasada uma semana”.

Há uma questão, que é evidente, que é a enorme dificuldade que estas grandes empresas multinacionais têm para assegurar a produção de vacinas em quantidade que consiga satisfazer minimamente a procura dos países. Isso causa um cenário de grande incerteza e dificuldade dos planos de vacinação”, afirmou nas mesmas declarações à agência Lusa.

Francisco Ramos rejeita crítica da Liga de Bombeiros sobre “filhos e enteados” na vacinação

Sobre outro tema, Francisco Ramos disse ainda, à agência Lusa, que as vacinas que estão a ser administradas em Setúbal, nomeadamente em bombeiros, “perder-se-iam” se não fossem usadas, pelo que foi aplicado o “princípio do não desperdício”.

“A situação que decorre hoje em Setúbal decorre do acidente que foi público. A maior parte das vacinas foi considerada como estando em bom estado pelo Infarmed e pela farmácia do hospital de Setúbal, mas por razões de segurança não podem sair do hospital. Ou eram administradas hoje nas pessoas que se encontravam disponíveis ou perder-se-iam”, descreveu.

Rejeitou as críticas da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP) que acusou a tutela de dividir os bombeiros criando “filhos e enteados” e assumiu a orientação ao hospital de Setúbal sobre uma situação excepcional que não estava prevista. “Essa é uma orientação que o coordenador da taskforce assume que deu ao hospital de Setúbal. Tentou-se encontrar pessoas incluídas na fase um de vacinação, nomeadamente os bombeiros da zona de Setúbal para prevalecer o princípio do não desperdício de vacinas”, sublinhou Francisco Ramos.

Francisco Ramos descreveu que, além da não autorização pelo Infarmed do transporte das vacinas em causa para outros locais, “o prazo de utilização [das vacinas que estão a ser administradas em Setúbal] termina amanhã [domingo]”.

Na sexta-feira, numa nota assinada pelo presidente, Jaime Marta Soares, a Liga de Bombeiros revelou ter tomado conhecimento que “restos de um lote de vacinas destinado a idosos vai ser utilizado na vacinação de bombeiros dos municípios de Palmela e de Setúbal”. A LPB exigiu transparência e rigor no processo de vacinação de todos os bombeiros, lamentando “a anarquia que paira no processo e que faz querer pretender dividir os próprios bombeiros entre filhos e enteados”. Jaime Soares acrescentou que, caso não viesse a receber “urgentemente” uma explicação “clara e inequívoca” por parte da tutela, reservar-se-ia no direito de formular uma queixa formal à Procuradoria-Geral da República (PGR).

Sobre estas críticas, além de reiterar que “o hospital de Setúbal está a vacinar os seus profissionais, bem como bombeiros e outros agentes da Protecção Civil” local para “prevalecer o princípio do não desperdício de vacinas”, Francisco Ramos garantiu que “mais transparência é difícil”.

“Neste momento como é público e notório, só não estão vacinadas mais pessoas em Portugal, incluindo os bombeiros, porque não há disponibilidade de vacinas. Mais transparência é difícil. “Por mais de uma vez partilhei informação com o senhor presidente da Liga dos Bombeiros [Portugueses] e estarei sempre disponível para prestar toda a informação necessária e adequada”, afirmou o coordenador.

Em entrevista ao Expresso, na quinta-feira, Francisco Ramos disse que está a ser trabalhada uma proposta para que os bombeiros, entre outros sectores, possam ser incluídos entre os prioritários na vacinação. “Estamos a falar também de bombeiros, que não são profissionais de saúde, mas que trabalham na emergência pré-hospitalar e transporte de doentes urgentes”, disse.

Nessa entrevista, o coordenador adiantou ainda que os titulares de altos cargos de decisão, entre outras pessoas, também poderão ser incluídos nos grupos prioritários, mas ao PÚBLICO disse apenas que mais detalhes sobre a proposta deverão ser conhecidos em breve.