No pico da covid-19, há profissionais a ter de devolver o prémio de desempenho
Situação parece estar circunscrita ao Centro Hospitalar Universitário do Porto – mas em todos os hospitais do país há profissionais a queixarem-se que, apesar de cumprirem critérios, não receberam prémio.
Em pleno pico da covid-19, há profissionais do Serviço Nacional de Saúde que estão a ser obrigados a devolver o prémio de desempenho atribuído pelos serviços prestados durante o primeiro período em que vigorou o estado de emergência: 19 de Março a 2 de Maio. Isso mesmo está a acontecer no Centro Hospitalar Universitário do Porto (CHUP), como reconhece o próprio conselho de administração, que, contudo, não quantifica o número de profissionais de saúde abrangidos por esta situação.
“O CHUP tem cerca de 5000 colaboradores e teve múltiplas áreas dedicadas a doentes infectados pelo SARS-CoV-2 ou ao processamento de testes. Foi-nos dado um período de tempo curto para reportar superiormente a lista de colaboradores elegíveis. A tarefa foi complexa, implicando níveis sucessivos de validação, nomeadamente das chefias directas e das hierarquias intermédias”, explica fonte do hospital, numa resposta enviada ao PÚBLICO.
Numa primeira fase 19% dos colaboradores, ou seja, cerca de 950 profissionais de saúde, foram contemplados pelos prémios. Porém, muitos não os receberam, apesar de considerarem que preenchiam os requisitos: terem estado a trabalhar em áreas covid-19 ou com casos suspeitos – tanto nos hospitais, como nos cuidados de saúde primários ou na saúde pública – durante pelo menos 30 dos 45 dias que durou o primeiro estado de emergência.
Face a esta situação, diz o CHUP, “foi dada oportunidade aos não contemplados pelo prémio de pedirem a reavaliação da situação”. E acrescenta: “Por rigor e equidade, nesta segunda fase, foram revistas sistematicamente todas as situações, levando à inclusão de mais 410 colaboradores; simultaneamente verificamos a existência de situações que as chefias intermédias tinham considerado, mas que o conselho de administração não validou por não cumprirem inequivocamente todos os critérios.” O CHUP, que inclui o Hospital de Santo António e o Centro Materno-Infantil, diz que percebe a “desilusão e o impacto de tal medida”, mas insiste que “seria injusto ter decisões desiguais para os trabalhadores que cumpriram alguns critérios, mas apenas de forma parcial e insuficiente”.
Os profissionais que estão nesta situação e que, no mês passado, receberam mais 50% da sua remuneração-base mensal vêem-se agora perante o cenário de poderem perder metade do salário-base do próximo mês, o mais complicado desde que a pandemia começou. “O pagamento ou retirada do prémio é processada centralmente. O CHUP tentará de encontrar uma forma de mitigar o impacto desta medida nos colaboradores atingidos”, diz o centro hospitalar.
Tanto a Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE), como o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) apenas conhecem casos de profissionais obrigados a devolver o prémio no CHUP. Uma situação muito mais frequente é haver enfermeiros com direito a receber o prémio, mas que não foram contemplados. “Essas situações estão a acontecer em todos os hospitais do país”, garante Guadalupe Simões, do SEP, que sempre criticou o facto de os prémios abarcarem só uma parte dos profissionais e não a totalidade.
Lúcia Leite, presidente da ASPE, explica o que estão a recomendar aos associados: “O que aconselhamos é que solicitem informação formal aos recursos humanos e com a justificação porque foi considerado que não tinham direito ao prémio e também a possibilidade de fazer a devolução em prestações.” Guadalupe Simões repete o discurso, até porque muitos dos colegas lhe garantem cumprir os critérios para receberem o prémio.
A dirigente da ASPE defende que as instituições não podem fazer reflectir um erro nos trabalhadores e recorda que sempre disse que este era um prémio envenenado. “Muitos enfermeiros trabalham em ambiente de ‘porta aberta’ em que não é possível sujeitar os cuidados a um teste à covid-19. É o caso das vias verdes coronárias, em que se chegar um doente que precise de resposta imediata ninguém espera pelos resultados de um teste”, exemplifica Lúcia Leite.
O prémio de desempenho aos profissionais do Serviço Nacional de Saúde que estiveram na linha da frente do combate à pandemia no primeiro estado de emergência vai chegar a cerca de 25 mil funcionários e terá um custo previsto de 23 milhões de euros, segundo dados do Ministério da Saúde.