A “iniquidade” prevalece na PAC com 20% das explorações agrícolas a receber 80% dos apoios
A associação Zero considera que a utilização as verbas da União Europeia para a agricultura portuguesa foi um “enorme fracasso” com impactos negativos no desenvolvimento rural e no auto-aprovisionamento de alguns produtos agro-alimentares.
Completaram-se no passado dia 1 de Janeiro 35 anos da data de adesão de Portugal à União Europeia mas, para a associação ambientalista Zero, é um “dado adquirido” que da utilização das verbas da Política Agrícola Comum (PAC) “resultou num enorme fracasso” para o desenvolvimento rural e o auto-aprovisionamento em alguns produtos agro-alimentares.
É uma das principais conclusões que a organização ambientalista incluiu no seu parecer relativo à primeira fase do processo de consulta alargada do Plano Estratégico de Portugal no âmbito da Política Agrícola Comum, para o período 2023-2027, e com base nos documentos disponibilizados pelo Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral do Ministério da Agricultura.
Na análise que efectuou à documentação e de acordo com dados recentes da Comissão Europeia, a organização ambientalista frisa uma “evidência” na aplicação dos apoios da PAC nas últimas décadas: revelou-se “incapaz” de resolver a “crise de despovoamento e erosão acentuada das economias rurais.” E reforça a sua análise crítica com outro dado: Em 2018, cerca de “20% dos beneficiários dos pagamentos directos receberam 80% dos apoios” comunitários.
“Há uma grande disparidade na alocação dos apoios, beneficiando os grandes agricultores e grupos agrícolas”, que baseiam a sua actividade na “intensificação” do regadio e da pecuária, o que demonstra uma “profunda desigualdade no acesso aos apoios por parte da agricultura familiar e dos pequenos e médios agricultores nas áreas de minifúndio, refere a Zero.
A mudança para novos modelos agrícolas e pecuários veio acelerar a “concentração da posse e exploração da terra” e a predominância do latifúndio em áreas com maior aptidão agrícola. Os ambientalistas socorrem-se dos dados do Instituto Nacional de Estatística referentes ao ano de 2016 para sublinhar que “2,4% das explorações agrícolas utilizaram 58% das terras” aráveis em Portugal, ao mesmo tempo que se assiste ao “desaparecimento da pequena e média agricultura e dos mercados locais” ligados à actividade agrícola.
Alqueva e o oligopólio
É na área de influência do Alqueva que este contraste mais se acentua. “Seis grandes grupos detêm o oligopólio da olivicultura (60% da área beneficiada pelo empreendimento público), concentrando o latifúndio perante o desaparecimento da pequena agricultura e o aumento exponencial do preço da terra” exemplifica a Zero.
As consequências da mudança de paradigma no mundo rural alentejano têm levado ao “desaparecimento da diversidade agrícola” para dar lugar a “vastas paisagens homogéneas”. Na área de influência do Empreendimento de Fins Multíplos de Alqueva (EFMA), “mais de 70% da área beneficiada pelo regadio público está ocupada por apenas duas culturas” (olival e amendoal).
Por outro lado, no período entre 2005 e 2016, o número total de explorações agrícolas baixou de 324.000 para 259.000, uma queda de 20%. No período entre 1999 e 2016, houve um “decréscimo de 40% no número de agricultores, mais acentuado entre jovens agricultores (70%).” E em 2016, os jovens agricultores representavam “1,9% do total dos gestores de explorações agrícolas em Portugal”, abaixo da média da UE. O acesso à terra, assinala a Zero “é o principal obstáculo para a fixação de jovens agricultores”.
Ineficiente e intensiva
Para além deste cenário “nada animador”, a organização ambientalista, munida de informação fornecida pela Comissão Europeia, junta outros dados que classifica de relevantes, destacando o facto de Portugal estar entre os países da UE “com menor eficiência no uso de fertilizantes” e de recorrer “ao uso de pesticidas em áreas protegidas e cursos de água”. Uma área de 39% de Superfície Agrícola Útil (SAU) está ser gerida de forma intensiva, dimensão que supera a média da UE (36,3%) e que coloca Portugal como o sétimo país comunitário com a maior fracção de área irrigada.
As consequências, assinala a Zero, observam-se na “degradação da rede hidrográfica” com a “progressiva artificialização das linhas de água, por vezes o seu desvio e eliminação, e das suas margens (incluindo destruição de galerias ripícolas), e alteração de áreas de manutenção do ciclo hidrológico”, fenómeno que pretende ver contrariado controlando a “expansão da área de regadio” a que neste momento se assiste. A manter-se, “irá previsivelmente criar novas necessidades e pressões acrescidas sobre a quantidade e qualidade da água”, admitem os ambientalistas.
A expansão da área de regadio significa o “reforço das tendências de financeirização da agricultura” expresso no que classificam como sendo o “Corrente Modelo de Intensificação Agrícola assente em monoculturas, no regadio e no agro-negócio orientado exclusivamente para a exportação.” Este modelo, prossegue a Zero, tem levado à “industrialização dos agro-ecossistemas” e consequentemente à “degradação da qualidade de vida dos moradores” de localidades e habitações dispersas confinantes à agro-indústria e às monoculturas intensivas. A “precarização da mão-de-obra agrícola e o agravamento das condições laborais dos trabalhadores rurais” é outra das consequências resultantes da nova agricultura e pecuária, que conduz à “concentração da riqueza gerada e dos recursos, com pouca ou nenhuma expressão positiva” nas economias locais das comunidades rurais.
A conversão cultural e as “extensas violações ao ordenamento do território” têm-se traduzido na “eliminação das funções de áreas da Reserva Ecológica”, acentuando a “degradação do solo, a redução da biodiversidade e a destruição de património histórico e arqueológico”, salienta a organização ambientalista.
No momento em que, a nível europeu, se entra na última fase das discussões em torno da PAC para o período 2023-27, a Zero considera ser o tempo de focar a “política agrícola e do desenvolvimento rural na resolução dos problemas de fundo que afectam os territórios rurais”, defendendo a necessidade de uma “transição ecológica justa do sistema agro-alimentar com base na agro-ecologia”, que coloque as comunidades rurais no centro de decisão do modelo de desenvolvimento em que possam participar e decidir.