O processo de regionalização, embora ocasionalmente figure em espaços de discussão pública e esteja constitucionalmente consagrado desde 1976, tem sido sucessivamente adiado e a definição do modelo segundo o qual este seria implementado parece ser inexoravelmente evitada.
A Constituição da República Portuguesa prevê a criação de regiões administrativas e tal foi objecto de um referendo, em 1998, através do qual os eleitores foram convidados a pronunciar-se, numa primeira instância, em relação à implementação da regionalização no país e, em segundo lugar, caso esta se materializasse, quanto à aprovação da região onde o seu local de recenseamento estaria incluído. Não obstante ambas as propostas terem sido rejeitadas por uma margem considerável e o projecto de oito regiões levado a sufrágio ter caído por terra, esta iniciativa ficou indelevelmente marcada por uma elevada taxa de abstenção. Consequentemente, se por um lado este referendo se tornou inconclusivo, por outro implantou receios nos defensores da regionalização acerca da eficácia de se levar a cabo nova consulta popular.
Entre os argumentos que se perfilam em oposição à regionalização, que o António Simões Lopes não se abstém de apontar na sua obra Regionalização e Desenvolvimento, podem elencar-se, por exemplo, a possibilidade de esta gerar conflitos entre regiões, seja pelas discordâncias que se podem criar no acesso a fundos e sua distribuição ou na definição das sedes dos órgãos de poder regional. Em caso limite, poderá contribuir para o surgimento de tensões secessionistas, embora este cenário pareça improvável no contexto nacional. Além disso, será indispensável assegurar que projectos que dependam da criação de sinergias inter-regionais não sejam sacrificados no seguimento de dificuldades de articulação entre os diferentes detentores de poder de decisão nem sejam implementados à custa da perda de autonomia de determinados territórios. Por último, será impreterível confrontar a tendência populista de se considerar que a regionalização não representa muito mais que a possibilidade de se distribuírem cargos públicos para que políticos os possam ocupar.
No entanto, e sem prejuízo de se analisarem cuidadosamente eventuais constrangimentos associados, a regionalização pode traduzir-se em significativos benefícios para as populações. Em primeiro lugar, a implementação de regiões administrativas — e inerente descentralização de competências do Estado — será um importante instrumento para aproximar os órgãos de decisão das pessoas que servem, o que facilita a participação directa dos cidadãos na tomada de decisões e, simultaneamente, cria condições para que estes possam escrutinar os seus governantes mais incisivamente do que normalmente acontece com poderes centralizados. Deste modo, favorecer-se-á uma acção política alicerçada na auscultação constante de comunidades a escalas menores, que promova a adopção de medidas adequadas às especificidades de cada território e que respondam às necessidades, ânsias e reivindicações dos eleitores, que não serão as mesmas em diferentes pontos do país.
Em segundo lugar, poderá abrir-se uma porta para o combate à subutilização do potencial dos territórios e para a redução de exclusões sociais em determinadas áreas através do recurso a políticas place-based. Segundo o reconhecido economista Fabrizio Barca, estas definem-se como um conjunto de políticas integradas, endógenas e exógenas, apoiadas no conhecimento local, sem serem territorialmente cegas. Isto é, têm em conta as ligações, materiais e imateriais, entre regiões distintas e entendem o território como um factor central de orientação. Finalmente, convocando para a discussão um aspecto essencial, a regionalização viabiliza a concretização do princípio da subsidiariedade, segundo o qual a intervenção de um poder central só deve ter lugar quando uma administração local não o puder fazer, em virtude de certas limitações que impossibilitem a última de dar uma resposta suficientemente satisfatória a uma qualquer problemática.
Fazendo novamente uso das palavras de Simões Lopes, a democracia é profundamente afectada por questões de escala e o aumento das áreas de jurisdição dos órgãos de decisão facilmente dilui a eficácia das suas acções. É urgente relançar o debate sobre o modelo em que a regionalização pode ser implementada e efectivá-la, sob pena de muitos territórios nacionais poderem ter hipotecadas as possibilidades de se desenvolverem de acordo com as necessidades reais das suas populações, à medida que vão sendo deixados progressivamente mais desertificados. Também o resultado que emanar das eleições presidenciais deste mês de Janeiro poderá ser decisivo para a forma como este dossiê será trabalhado.
Em suma, é urgente desbloquear o impasse que há anos impede a regionalização de se tornar realidade. Regionalizar é democratizar. Não esperemos mais.