Nos últimos dias as redes sociais têm reagido à crítica tecida pelo candidato presidencial do partido Chega, André Ventura, contra a candidata Marisa Matias por esta ter “os lábios muito vermelhos”. A hashtag #VermelhoemBelem corre pelas redes sociais, juntamente com fotos de homens e mulheres de lábios vermelhos. Como explica Marisa Matias, o insulto que André Ventura “fez às mulheres não diz nada sobre as mulheres, mas diz tudo sobre esse senhor”. E, de facto, esse comentário apenas reflecte uma profunda misoginia e tentativa barata de minimizar as mulheres, de reduzi-las à sua estética, a meros objectos ocos sem direito à sua própria identidade.
No entanto, a sociedade civil não deixou de reagir a estes comentários, em solidariedade com a candidata do Bloco de Esquerda e com as mulheres na política e na sociedade em geral. E não é a primeira vez que o batom vermelho é associado a um símbolo de empoderamento feminino – este já conta com uma longa história de luta pelos direitos das mulheres.
Em 1912, Elizabeth Arden, a criadora da famosa marca de cosméticos com o seu nome, distribuiu batons vermelhos pelas sufragistas em Nova Iorque. O batom tornou-se parte do uniforme das mesmas, sendo uma marca de poder e rebelião. Estas valorizavam em particular o facto de o batom vermelho, até então associado com o demónio e bruxaria, chocar o resto da sociedade.
O batom vermelho tornou-se o símbolo da mulher moderna e popularizou-se durante os míticos anos 20 como sinal de emancipação.
Durante a Segunda Guerra Mundial, era um facto conhecido que Adolf Hitler detestava lábios vermelhos. “Evitar o uso de batom vermelho'’ fazia parte da lista de recomendações partilhada com os estrangeiros que pisaram o solo alemão durante o Terceiro Reich. Em resposta, as mulheres dos países aliados aumentaram o uso de batom vermelho, tornando-se num desafio ao regime nazi. Quando o preço do batom vermelho se tornou excessivo devido aos esforços da guerra, as mulheres começaram a pintar os lábios com beterraba. Os lábios vermelhos tornam-se um símbolo tão potente contra o regime nazi que o exército americano chegou mesmo a tornar a sua utilização obrigatória para as mulheres soldados durante a guerra.
Actualmente, o batom vermelho mantém a sua simbologia de rebelião e emancipação feminina. Em 2015, uma mulher da Macedónia beijou o escudo protector de um polícia durante uma manifestação contra o Governo, deixando um beijo vermelho marcado no mesmo.
Em 2018, na Nicarágua, a activista de 68 anos Marlén Chow tornou-se um símbolo do movimento de oposição contra o Governo de Daniel Ortega. Marlén Chow, após ter sido presa com várias outras mulheres por ter participado numa manifestação contra o Governo, pintou os lábios de vermelho e pediu às mulheres que a rodeavam que fizessem o mesmo. Quando as forças policiais lhe perguntaram quem a tinha financiado ou influenciado a manifestar-se, esta respondeu que representava a associação de mulheres da Nicarágua do Pico Rojo (lábios vermelhos). Em solidariedade, milhares de mulheres e homens por todo o país partilharam fotos deles próprios nas redes sociais com os lábios pintados de vermelho com a hashtag #SoyPicoRojo.
Em Dezembro de 2019, dez mil mulheres tomaram as ruas do Chile com os olhos vendados, cachecóis vermelhos e lábios pintados da mesma cor, denunciando a violência sexual no país.
Esta discussão, contudo, não é sobre batom vermelho. É sobre o discurso de ódio, de rebaixamento misógino da mulher, despindo-a da sua personalidade, da sua inteligência, da sua força e da sua dignidade. No entanto, se nos quiserem atacar por usarmos batom, ataquem. Mostra que estamos a fazer bem o nosso trabalho.