Hospitais estimam que número de internados por covid-19 aumente até 60% numa semana

Num cenário mais pessimista, o número de internados chega aos 7500. Dos quais mais de 900 em cuidados intensivos. Cálculos são da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares que lança um apelo: é preciso activar estruturas de retaguarda para retirar doentes de covid menos graves dos hospitais.

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TIAGO PETINGA/Lusa

“Os dados são alarmantes, como era expectável dado o volume de casos [de infecção por SARS-CoV-2] reportados”, diz Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH). Na próxima sexta-feira, dia 22 de Janeiro, o país pode ter de se confrontar com este número inédito de internados nas enfermarias e unidades de cuidados intensivos do país: 7449.

Este é o cenário mais “pessimista” de dois traçados pela APAH, tendo em conta a actual situação epidemiológica. A confirmar-se, representa um aumento de 63% face à realidade actual — o boletim da Direcção-Geral da Saúde (DGS) que faz o ponto de situação diário reportava nesta sexta-feira 4560 camas ocupadas por doentes covid.

Só em unidades de cuidados intensivos (UCI) poderão estar, no final da próxima semana, 922 infectados, segundo a APAH. Muito acima dos 622 desta sexta-feira. Mas há mais números preocupantes nas estimativas da APAH desenvolvidas com o contributo da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública e da Global Intelligent Technologies (Glintt). Mesmo no cenário “optimista”, nas palavras da APAH, serão necessárias no final da próxima semana cerca de 4500 camas em enfermaria e mais 700 em cuidados intensivos. 

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E com a actual evolução dos números da infecção (mais 10.663 novos só nas últimas 24 horas, o que significa três dias seguidos com mais de 10.500 novas infecções detectadas), seriam precisos, no tal cenário “optimista”, mais de 10 mil profissionais de saúde pública, para fazer inquéritos epidemiológicos, realizar os primeiros contactos para vigilância activa de suspeitos e infectados e os contactos subsequentes — tudo isto essencial para identificar potenciais contágios, travar a propagação da doença e evitar que mais pessoas cheguem aos hospitais. Ora, “segundo disse a DGS esta semana, há cerca de 700" rastreadores, lembra Lourenço. Os dados da DGS dizem respeito ao início de Janeiro e, tal como o PÚBLICO noticiou dão conta de “763 profissionais ETI (equivalentes a tempo inteiro) a realizar inquéritos epidemiológicos em Portugal” mais “196 profissionais ETI extra a realizar inquéritos epidemiológicos”.

É preciso activar outras estruturas

“É um cenário muito preocupante”, diz Alexandre Lourenço. As últimas estimativas da associação, feitas na semana passada, foram superadas pela realidade. A APAH previa que, no pior cenário, houvesse nesta sexta-feira 4557 doentes internados nos hospitais. Foram mais, como já se disse. E na próxima semana? “Na próxima semana, temos de fazer tudo para retirar dos hospitais doentes covid que não precisam de lá estar, que podem ser tratados noutras estruturas, caso não possam estar em casa.”

Dá um exemplo: a Federação Portuguesa de Futebol colocou a Casa dos Atletas, localizada na Cidade do Futebol, em Oeiras, à disposição do Ministério da Saúde para funcionar como unidade de retaguarda destinada a doentes que necessitem apenas de internamento e vigilância médica. “Temos de fazer isto em larga escala. Usar estruturas das misericórdias, por exemplo, estruturas específicas para tratar doentes covid” e deixar nos hospitais apenas aqueles que realmente precisam, apela Alexandre Lourenço. Quanto à capacidade de ter 922 camas nas UCI para doentes covid, Alexandre Lourenço diz que desconhece se ela existe “porque o ministério não disponibiliza essa informação”. 

“Com 4000 camas ocupadas [actualmente], entre UCI e enfermarias, o sistema de saúde já está muito afectado. É essencial criar estruturas de retaguarda. Mas nos casos dos cuidados intensivos são precisos recursos humanos treinados, que já não temos. Pode-se colocar profissionais que já tiveram experiência e outros ainda, mas tutorados. Mas isso não é o ideal" e cuidados que não são os ideais resultam pior. “Na enfermaria geral, por exemplo, se os cuidados não são os ideais, os doentes evoluem e mais facilmente podem vir a precisar de UCI”, é um ciclo vicioso.

Por tudo isto, a palavra de ordem é aliviar a pressão. Lourenço recorda que em Maio se apurou que cerca de 18% dos doentes com covid não precisavam de cuidados hospitalares, mas não tinham condições para estar em casa. Isso significa, admite, que pode haver hoje cerca de mil internados nos hospitais, com covid, que podiam estar noutro local, libertando camas para quem realmente precisa. Por outro lado, diz, é preciso avaliar os critérios de admissão e das altas. “Há práticas diferentes entre hospitais, se calhar hospitais com menos experiência estão a adoptar uma atitude mais defensiva, admitindo mais doentes, ou adiando altas, para se protegerem. Era importante monitorizar isto para se perceber se é preciso emitir recomendações, porque podemos estar a ter sub-hospitalização ou sobre-hospitalização, não sabemos. Este trabalho tem de ser feito.”

Para além disso, “é preciso mais hospitalização domiciliária e mais acompanhamento domiciliário”, prossegue. “Estamos a alertar para a necessidade de termos estas estratégias desde Abril.” E acrescenta: “Tinha de haver também uma estrutura de coordenação, com capacidade operacional” que soubesse em cada momento que camas estão livres em que hospital. “Não temos e assim os hospitais transferem doentes com base em acordos, ou telefonando para a ARS para tentar saber onde é que há uma vaga.” 

Ministério garante ajustes permanentes

Questionado sobre as estimativas da APAH, e sobre o que está a ser feito para assegurar capacidade de resposta, o Ministério da Saúde (MS) responde que “o planeamento de recursos tem de ser permanentemente ajustado” e lembra várias medidas tomadas, como o reforço de ventiladores e o recrutamento de recursos humanos. E acrescenta: “O MS reúne diariamente com as entidades que, no terreno, têm a responsabilidade dos recursos regionais, de forma a acompanhar a procura de cuidados e apoiar soluções que respondam a situações de procura excessiva, numa lógica de funcionamento em rede e de complementaridade, quer procurando expandir a capacidade do SNS para resposta à covid-19, quer articulando com estruturas do sector social e privado e outras para incrementar esta resposta.”

O gabinete de Marta Temido lembra ainda que “foram adoptadas medidas restritivas adicionais com o objectivo de inverter o crescimento de casos e, consequentemente, as necessidades de internamento”, com o confinamento que teve início nesta sexta-feira. 

Mas o responsável da APAH está longe a de ser o único a dramatizar o discurso. As previsões para a próxima semana, afirma Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, “mostram um cenário muito preocupante”. “Não sei se as pessoas têm a percepção da situação em que estamos e não estamos seguramente bem”. 

A previsão de rastreadores para a próxima semana mostra a exigência da tarefa que se espera da saúde pública, perante um acréscimo de casos que colocou mais de 140 mil contactos em vigilância, segundo o boletim da DGS. “A primeira semana de Janeiro foi avassaladora e as unidades perderam essa capacidade de recuperação que tiveram no período festivo.” Ricardo Mexia estima que “estejam cerca de 10 mil inquéritos por realizar”. “São inquéritos que deveriam ser feitos em menos de 24 horas para se obter informação sobre contactos de alto risco, para estes serem colocados em isolamento profiláctico. Há agora um processo de recrutamento a decorrer, mas já estamos a correr contra o prejuízo.”

 

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