“As pessoas puseram-se em fila de espera, mentalmente, para as vacinas”
Marcelo Rebelo de Sousa não se atreve a prever até quando é que o país terá de estar em estado de emergência, até porque afirma que o plano de vacinação pode demorar ano e meio. O que reconhece é ter havido atraso no recurso ao sector privado e social da saúde. Neste momento já estão a ser chamados, “até porque a própria necessidade tem imposto”.
Sem admitir que haja “preconceito ideológico” do Governo em relação aos privados na saúde, o Presidente que se recandidata admite que houve “atrasos” na preparação da articulação com o sector privado e social da saúde, não apenas no combate à pandemia como na resposta a problemas não-covid. Agora, “está a fazer o que se pode”.
Teve um teste positivo, seguido de dois negativos, mas não ficou em isolamento profiláctico. Não é um mau exemplo para o cidadão comum, a quem basta um contacto com um infectado para ficar em quarentena obrigatória?
Essa é uma questão que tem de colocar às autoridades, são elas que definem critérios, às vezes aparentemente difíceis de compreender. Eu tive um contacto de baixo risco e o que foi determinado foi a autovigilância passiva durante 14 dias, podia fazer a actividade normal, mas tinha de ter cuidado com deslocações exteriores para evitar aglomerações. Somou-se a isso outro contacto também de baixo risco e a decisão foi estender até dia 24 a autovigilância passiva. Tenho de comunicar todas as deslocações que faço, porque há uma preocupação de monitorização com situação, o que torna muito difícil a gestão da vida. Não quero criticar as autoridades sanitárias, já fui criticado por ter ficado ligeiramente irritado com a demora na decisão.
Com os atrasos previsíveis do fornecimento de vacinas, receia que haja atrasos na execução do plano de vacinação?
Por toda a Europa há um ritmo de fornecimento que não corresponde às expectativas e critérios estabelecidos. Eu, cuidadosamente, tenho dito que não se devia elevar muito as expectativas. As pessoas puseram-se em fila de espera da vacina, ao menos mentalmente, e estão à espera de ser contactadas. É melhor dizer aos portugueses que o processo de vacinação vai durar um ano e meio. Os primeiros e segundo grupos vão demorar até ao fim da Primavera, começo do Verão. Se houver intermitências do fornecimento, temos um deslizar que torna ainda mais importante a eficácia do confinamento e do estado de emergência.
Tem assumido a “suprema responsabilidade” da gestão à pandemia. Sente-se responsável pelo abrandamento de medidas no Natal, que levaram ao aumento de casos e óbitos?
Sim, eu sou responsável por isso, neste sentido: apesar de todos os partidos terem tido uma posição nesse sentido [do alívio das medidas] ou terem posições ainda mais liberais, porque estão mais preocupados com a economia e a sociedade do que propriamente com a saúde e a vida, o que é facto é que eu subscrevi o decreto de execução do estado de emergência. Quando corre bem, os autores sentem-se bem; quando corre mal, naturalmente são reprovados.
A ministra da saúde decretou na quarta-feira o adiamento de cirurgias prioritárias, e mandou os hospitais públicos a passarem ao nível máximo de contingência. O privado pode e deve fazer mais do que está a fazer?
O privado está a fazer o que pode. Há acordos múltiplos no país todo com os privados em termos de covid e estão a fazer o que podem em termos de não-covid. O sistema de saúde todo ele – o SNS, mais o social e o privado –, todos estão a fazer o que podem para encontrar camas e equipas e alocar os meios para responder à convergência entre covid, gripe sazonal num inverno rigoroso, e as outras patologias. Agora, é evidente que, se os números atingem determinada expressão, isso implica – como implicou em momentos anteriores – atrasos em consultas em listas de espera no SNS, mas também no sector social e privado.
O candidato considera que há um preconceito ideológico do Governo em relação aos privados?
Admito que, depois de um arranque em que se improvisou muito e em que se avançou com projectos de acordos entre as administrações regionais de saúde de cada área e os hospitais um a um, admito que tenha depois havido um atraso a partir de Maio, na sequência da descompressão [da pandemia], em vários aspectos. Desde logo havia uma antevisão de que a segunda vaga viria mais tarde, que a pressão e o stress [dos serviços] seriam menores – e isso não aconteceu só em Portugal e essa avaliação não foi correcta. Mas dentro dessa avaliação não correcta criou-se a ideia de que não era necessário avançar com uma previsão de utilização de mais social e mais privado. Neste momento, estão a ser chamados permanentemente, até porque a própria necessidade tem imposto que sejam.
Por quanto tempo mais prevê que tenhamos de estar em estado de emergência?
A pandemia tem sido inesperadamente muito mais longa e muito mais complexa de gerir. Nós temos de ver qual é a gravidade da pandemia. Uma coisa é a pandemia com a gravidade que tem tido ou pode vir a ter, outra coisa é uma pandemia a esbater-se e a desaparecer progressivamente.
Não há uma banalização do estado de emergência?
A democracia teve essa grande riqueza: prever situações de excepção. Não previu exactamente para este tipo de problemas, nem tão longos. Mas os partidos todos entenderam, coloquei a questão logo no início. Não fazia sentido estar a debater e votar uma lei de emergência sanitária - que aliás a provedora de Justiça estava a estudar - durante a pandemia. Mas concordo que é preciso legislar.
Temos o Parlamento a prestes a aprovar, a fazer a votação final sobre a eutanásia. Independentemente da formulação da lei que venha a ser aprovada, o que é que o senhor pensa sobre a legalização da eutanásia?
O Presidente da República pronuncia-se sobre um texto concreto. A última versão é que é verdadeiramente aquela sobre a qual se vai pronunciar. E aí, ou se suscita a intervenção do Tribunal Constitucional, ou se exerce o veto que normalmente é chamado político, ou se promulga.
Mas como candidato que afirmou que é da direita social, que se revê na doutrina social da igreja, no Papa Francisco... Partilha da posição do Papa que considera a eutanásia uma derrota?
Eu neste momento tudo o que dissesse era uma antevisão da minha posição, ou condicionava a minha posição sobre a matéria. Eu conheço o que o Papa diz, conheço o que os papas anteriores disseram. Conheço a posição de outras confissões religiosas, conheço a posição de outros sectores. Não se esqueçam fui grande promotor de um debate que foi o mais longo que houve sobre a matéria, promovido pelo Conselho Nacional de Ética. E, portanto, sempre defendi que isso era muito importante ser objecto de apreciação, de análise, de debate generalizado... Mas o Presidente pronuncia-se sobre o diploma que há-de chegar às suas mãos, quando chegar às suas mãos.