O conceito de economia circular – entendido como o modelo económico que privilegia uma acção humana inspirada pelas leis da natureza, consciente, coordenada e orientada para a redução, reutilização e reciclagem – tem vindo a ganhar, de alguns anos para cá, justificado destaque no discurso da sustentabilidade. Em contraste com a chamada “economia linear”, da produção e consumo desregrados, e desprovida de planeamento para a reintrodução dos resíduos no processo produtivo, a “economia circular" oferece uma perspectiva holística da produção e do consumo, vinculando as regras dos mesmos aos 3Rs (reduzir, reutilizar, reciclar) e surgindo como selo do comprometimento público e privado para com a sustentabilidade, na medida em que as organizações visem imitar, na sua acção, as regras dos sistemas naturais, sob o mote da retroalimentação e do “zero desperdício”.
Pouco discutido tem sido, porém, o tema que concerne ao tamanho mais apropriado para os círculos que, no nosso compromisso para a economia circular, devemos colectivamente prosseguir. Tal questão afigura-se, no entanto, como o próximo momento decisivo na discussão da sustentabilidade, como a própria pandemia de covid-19, ao desestabilizar – pela legislação e pelo medo – o nosso modo de comprar e consumir, veio provar. Não basta a circularidade – há que atingir círculos cada vez mais fechados, assentes em cadeias de produção-consumo curtas e soluções de reutilização e reciclagem mais localizadas.
Ao mesmo tempo, e não obstante o crescente consenso político e social em matérias ambientais, permanecem profundas divisões na discussão destas matérias. Perante este desencontro (e não lhe afigurando, entretanto e em tempo próximo, solução), cumpre tomar proveito dos consensos existentes em matéria do ambiente para fazer avançar políticas que respondam às preocupações e crenças comuns da vasta maioria da população.
No âmbito das políticas ambientais para a circularidade mais capazes de gerar consenso, demonstra especial interesse, pela sua dimensão mais natural, mais humana e técnica e tecnologicamente menos exigente, o assunto dos resíduos orgânicos. Obrigatório a partir de 2024, o ecoponto castanho, para depósito dos resíduos orgânicos produzidos nas nossas cozinhas, jardins e quintais, continua a não existir, atirando Portugal para a lista dos alunos que, de forma algo não promissora, entrega o trabalho às 23h59 da data limite.
É inegável o contributo que uma iniciativa desta natureza ofereceria para a circularidade dos municípios portugueses, e para os indicadores de desenvolvimento sustentável que se lhe associam. No entanto, em 2024, a circularidade não bastará. A recolha dos resíduos orgânicos através da utilização de contentores aumentará, certamente, a quantidade de resíduos orgânicos a serem reciclados, e facilitará o processo de transformação dos mesmos. No entanto, e oferecendo aqui contributo assaz negativo, não reduzirá a pegada ecológica do transporte e tratamento especializado dos mesmos.
A alternativa passa, numa perspectiva holística, pela redução do círculo, que os fenómenos de “locavorismo" já vêm exigindo na dimensão da produção. Nesse sentido, devem preferir-se opções de intervenção pública mais reduzida ou limitada a um papel mais moderador, facilitador e de compensação e, cada vez menos, de participante central dos processos. Ao ecoponto castanho, pois, devemos preferir – se queremos estar, como aluno exemplar, ahead of the curve – compostores comunitários ou, ainda melhor, a compostagem caseira, eventualmente recolhendo os resíduos da vizinhança que não o possa ou queira fazer. Só soluções localizadas, assentes na pequena escala e nas relações sociais próximas, permitem o apertar dos círculos da economia circular, que reforçarão a auto-sustentabilidade alimentar e a resiliência das nossas comunidades.
Neste aspecto, a plataforma ShareWaste tem feito um notável trabalho, a nível mundial, de criação de redes de reorganização dos resíduos orgânicos, que tem permite à sociedade realizar, por si só e sem intervenção pública, uma tarefa tradicionalmente municipal. Permitindo, através da sua app e do seu site, a inscrição como receptor de resíduos orgânicos ou, em alternativa, enquanto doador de resíduos, aceder a um mapa com os receptores de resíduos orgânicos dá área de habitação, a ShareWaste tem retirado dos longos círculos de reciclagem toneladas e toneladas de resíduos orgânicos, que permitem às famílias tornar os seus quintais nas suas mercearias biológicas, livres de custos ambientais de armazenamento, embalamento e transporte, sem mencionar os benefícios para a saúde física e mental do cultivo biológico dos seus próprios alimentos.
Ainda merecedora de menção é a faceta socialmente responsável de projectos como o da ShareWaste, que vêm permitir a famílias com menos recursos, através da inscrição para recolha de resíduos orgânicos e sua transformação em compostagem, o acesso a alimentos de produção biológica, cuja superior qualidade é paga, geralmente, a preços mais elevados que os encontrados na produção intensiva de grande escala.
Assim se alcança, ao nível alimentar, a circularidade e, em particular, uma circularidade de círculos apertados, que permitem alimentar o solo local com a compostagem produzida a partir dos resíduos orgânicos localmente produzidos. Para tal, há que olhar com uma perspectiva holística para os resíduos orgânicos, encontrando neles não um mero problema de resíduos, mas, antes, uma oportunidade de fazer avançar políticas públicas ambientais, sociais, de sustentabilidade, de educação, de saúde e de desenvolvimento das comunidades.