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Editores e livreiros contestam fecho das livrarias

A APEL acusa o Governo de retirar ao livro o estatuto de bem essencial. Nos museus, lamenta-se a escassez dos apoios. E na música ainda se sonha com festivais de Verão.

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Filipa Fernandez

A Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) considera que o Governo, ao encerrar livrarias e impedir a venda de livros noutros espaços, como os hipermercados, está a “retirar ao livro o estatuto de bem essencial”.

“Ao livro sempre foi reconhecido o estatuto de bem essencial, por qualquer país que preze e estimule o acesso à cultura e ao conhecimento”, diz um comunicado divulgado esta sexta-feira pela APEL, lamentando que em Portugal voltemos “a assistir à perda desse estatuto, manifestada na reiterada proibição de abertura das livrarias e do comércio do livro noutros retalhos não especializados”.

Lembrando que a proibição de se adquirir livros dentro dos respectivos postos de venda não se estende às revistas e jornais, a APEL manifesta “incompreensão” e “profunda preocupação” perante o que considera ser uma “discriminação” que, no quadro das regras do novo confinamento, “atinge o livro e o retalho livreiro”.

Uma opção que a APEL considera especialmente gravosa num país que, segundo os dados que a própria associação adianta, o sector editorial e livreiro terá tido uma quebra de 17% em 2020, contrariando a tendência positiva registada noutros países europeus, como a Holanda ou a França, onde o comércio do livro terá aumentado respectivamente 8% e 6,5%. E há países, como a Alemanha, que mantêm as livrarias abertas, justamente por considerarem o livro um bem essencial. Também o Governo belga, que as tinha encerrado na primeira vaga da pandemia, recuou na decisão e decidiu deixá-las abertas, argumentando, designadamente, com a necessidade de “preservar a saúde mental” dos cidadãos.

Defendendo que as livrarias têm sido “um exemplo maior de cumprimento das regras de prevenção e segurança sanitária”, a APEL considera ainda que este encerramento é “incoerente com a decisão de manter os estabelecimentos de ensino abertos”, calculando que “mais de um milhão e meio de alunos e respectivas famílias, a par de mais de 100 mil professores, deixam de ter acesso facilitado aos livros, seja de leituras recomendadas seja para simples fruição”.

Segundo a APEL, o comércio online só representa ainda cerca de 10% da venda de livros em Portugal, e está “concentrado nos grandes centros urbanos”, pelo que estas medidas, acusam, “deixam uma importante parte da população sem acesso ao livro”.

O comunicado observa ainda que, “fechando desta forma todos os canais de retalho de venda do livro, os editores não terão capacidade para sustentar toda a rede de profissionais que vivem do livro: autores, tradutores, revisores, paginadores, designers, gráficas e profissionais das gráficas”. É “todo o ecossistema que liga o autor ao seu leitor” que “está a partir de hoje em risco”. A APEL dirige assim ao ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital e à ministra da Cultura “um pedido para reverem esta proibição, em nome dos muitos milhares de editores, livreiros, autores e escritores e demais profissionais deste sector”.

“Uma gota no oceano”

Em declarações à Lusa, o presidente da APEL, João Alvim, estima que “90% do comércio do livro em Portugal” vá parar com estas medidas, restando apenas o comércio online, “que tem ainda uma expressão muito reduzida e muito selectiva”. E se o Governo já confirmou que as livrarias irão poder vender ao postigo, Alvim considera essa possibilidade “irrelevante para a dimensão do problema”.

A situação é “gravíssima”, constitui “uma deturpação da lei da concorrência” e “é completamente inaceitável para todo o sector”, diz Alvim.

E quanto aos apoios anunciados quinta-feira por Graça Fonseca — um reforço de 90 mil euros nas bolsas de apoio à criação literária, 300 mil euros para comprar livros a livrarias independentes e outro tanto para apoiar a edição de autores portugueses —, o presidente da APEL confessa o seu “espanto” e garante que são “uma gota no oceano” e que não resolverão problema nenhum. “É verdadeiramente atirar poeira para os olhos das pessoas, porque a actividade editorial e livreira é a principal actividade na área da cultura neste país, é maior do que a comunicação social no seu conjunto, e é uma actividade que sistematicamente é esquecida”.

O comunicado da APEL nunca relaciona a decisão de proibir a venda de livros em hipermercados com o encerramento compulsivo das livrarias, mas não parece ser de excluir que os livreiros independentes vissem com algum desagrado que as grandes superfícies pudessem continuar a vender livros quando eles eram obrigados a fechar portas.

Apoio aos museus é escasso

Os protestos contra os encerramentos forçados e a escassez dos apoios começam a fazer-se ouvir em vários sectores da cultura. Esta sexta-feira, a presidente do comité português do Conselho Internacional dos Museus (ICOM-Portugal), Maria de Jesus Monge, considerou “muito pouco” o apoio financeiro de 600 mil euros anunciado pelo Governo para o programa ProMuseus enfrentar a crise da pandemia. “A verba é uma boa notícia, mas é muito pouco: esgota-se com três ou quatro projectos”, disse esta responsável à Lusa.

Ainda sobre as medidas anunciadas na quinta-feira para o sector cultural, Maria de Jesus Monge observou que “as verbas alocadas às Direcções Regionais de Cultura devem significar que não está previsto o seu desmantelamento para breve, como estavam a indicar os sinais do Governo no sentido da sua possível integração nas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional”.

A presidente do ICOM-Portugal acredita que o confinamento forçado “é o momento certo para se realizar uma reflexão alargada sobre a restruturação da Rede Portuguesa de Museus e as suas bases de trabalho”, com museus de todas as tutelas, de autarquias a privados e a outras entidades, como a Igreja Católica.

Comentando o encerramento dos museus, afirma: “Não posso dizer que concordo, mas entendo a decisão”. Considera os museus “espaços seguros”, mas admite que “o problema serão os transportes usados nas deslocações”.

Sublinhando que “as quebras dramáticas de visitantes estão a provocar uma grave crise” nos museus portugueses, conclui: “Queremos muito ultrapassar este momento e regressar ao trabalho com empenho renovado”.

Como fazer festivais?

Na música, os promotores de concertos e festivais ainda não atiraram a toalha ao chão e várias associações do sector reuniram-se esta sexta-feira, por videoconferência, com a ministra da Cultura e representantes das secretarias de Estado do Turismo e da Saúde, e ainda da Inspecção-Geral das Actividades Culturais, para “definir as regras ou procedimentos necessários para que, mesmo no actual contexto, se possam realizar diferentes tipos de eventos sem, no entanto, comprometer a saúde pública”, lê-se num comunicado enviado à Lusa pela Associação Portuguesa de Serviços Técnicos para Eventos (APSTE).

“Já se percebeu que, infelizmente, este contexto de pandemia não irá desaparecer tão cedo e, mais do que pedir ajudas do Estado, pretende-se criar as condições necessárias para trabalhar”, salienta a APSTE. De acordo com a associação, Graça Fonseca “ouviu atentamente todas as preocupações”, tendo ficado decidido que as associações “irão delinear um conjunto de medidas para serem analisadas e debatidas” na próxima reunião, agendada para daqui a 15 dias.

À Lusa, o presidente da Associação Portuguesa de Festivais de Música (Aporfest), Ricardo Bramão, explicou que nesta reunião “não foram dadas garantias ainda” da realização de festivais este ano, mas “abriu-se uma porta” para as estruturas apresentarem “soluções”.

Também a Associação de Promotores, Espectáculos, Festivais e Eventos (APEFE) confirmou que todas as associações presentes na reunião “demonstraram total disponibilidade” para colaborar com o Governo com o objectivo de conseguir que “o público possa voltar a desfrutar de festivais e espectáculos de música”.

No ano passado, os espectáculos começaram a ser adiados ou cancelados em Março, ainda antes de ser decretado o encerramento das salas, e até final de Abril, segundo números da APEFE, já tinham sido cancelados, suspensos ou adiados cerca de 27 mil espectáculos.