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RTP: uma opinião ignóbil e indigna

A decisão do Conselho de Opinião da RTP de recusar José Alberto Lemos para provedor do telespetador cobre de vergonha a meia dúzia de pessoas estimáveis que ainda fazem parte daquele órgão.

O Conselho de Opinião da RTP assinou no passado dia 6 de janeiro um ato ignóbil e indigno que cobre de vergonha a meia dúzia de pessoas estimáveis que ainda fazem parte daquele órgão. Chamado a apreciar a escolha feita pelo conselho de administração do jornalista José Alberto Lemos para exercer o cargo de provedor do telespetador, a maioria dos membros votantes pronunciou-se contra tal indigitação.

Que tem isto de ignóbil?

Muito! Muitíssimo! Muito mais do que aqui se pode escrever e descrever.

Nas estreitas baias que a legislação concede ao Conselho de Opinião (CO) para se pronunciar sobre o nome proposto pela administração, este só pode basear um eventual parecer desfavorável no julgamento de que a pessoa proposta não é credível nem íntegra. Destituído há 20 anos de qualquer poder real para impor a sua vontade, o CO aproveita o único momento em que a legislação lhe permite emitir um parecer vinculativo para fazer prova de vida, exercendo o seu poderzinho sem olhar ao bom nome das pessoas que atropela na sua insana ânsia para que nele alguém repare. Não importa aos senhores do CO à custa de quem. Se é preciso manchar o nome de alguém para que se saiba da existência de um Conselho de Opinião da RTP, vamos a isso, nada mais há a ter em conta!

Sou amigo de José Alberto Lemos, cujo trajeto profissional acompanho e admiro há mais de 30 anos. No PÚBLICO, na chefia da SIC/Porto, quando foi diretor na RTP, nos anos passados nos EUA, enquanto comentador de assuntos internacionais de volta à RTP e por aí fora. Não precisa de ser provedor para mostrar o que quer que seja. Obviamente, também não precisa de quem o defenda. O seu curriculum impõe-se por si mesmo. Quem o conhece só o pode estimar. Não é, portanto, uma “nega” cobarde e soez que fere o seu bom nome. Nesta história, quem poderia ficar com o nome manchado seria o CO da RTP. Mas para isso seria necessário que este se desse ao respeito. Coisa que manifestamente não está no seu modo de ser.

Os Estatutos da RTP que regulam a matéria em causa dispõem que “o conselho de administração indigita os provedores do ouvinte e do telespectador” de acordo com os critérios definidos no n.º 1 do artigo 34.º: “entre personalidades de reconhecido mérito profissional, credibilidade e integridade pessoal, cuja atividade nos últimos cinco anos tenha sido exercida na área da comunicação”. O n.º 5 do mesmo artigo determina expressamente que os provedores do ouvinte e do telespetador são investidos nas suas funções, pelo conselho de administração, “Salvo parecer desfavorável do conselho de opinião, devidamente fundamentado no não preenchimento dos requisitos previstos no n.º 1”, isto é, competia ao CO, no caso da indigitação de José Alberto Lemos, verificar exclusivamente o seguinte:

a) Se ele exerceu a sua atividade na área da comunicação nos últimos cinco anos – questão factual e incontestada;
b) Se é comumente aceite como alguém de reconhecido mérito profissional – o seu percurso profissional, a sua longa relação com várias estações de televisão em Portugal e no estrangeiro atestam inequivocamente que sim;
c) Se é uma pessoa credível e pessoalmente íntegra – suas excelências os membros do CO que votaram contra devem achar que não. Credíveis e íntegros são eles, apesar do descrédito e da risota que as suas opiniões provocam em quem tem de as ouvir.

Mais grave ainda: como é de forma, José Alberto Lemos prestou-se a uma longa audição em que foi questionado durante três horas por todos os membros do CO que quiseram intervir sobre os mais diversos aspetos do seu CV, das suas opiniões e do seu “programa” para o mandato de provedor do telespetador para que fora indigitado. Ninguém lhe disse, ou sequer sugeriu, que não reunia todas as qualidades e capacidades para o cargo. Pelo contrário. A canalhice e a cobardia são, portanto, de alto coturno! Frontalidade, nenhuma! Tudo a coberto do voto anónimo e secreto.

Fui durante quatro anos provedor do telespetador da RTP. Hoje envergonho-me de por duas vezes (os mandatos dos provedores são de dois anos) não ter sido “chumbado” pelo CO. Muito me honraria se tal tivesse acontecido. Durante os quatro anos terminados a 31 de dezembro de 2020 fiz mais de 150 programas sobre a programação da RTP, sobre os media, o jornalismo e muitos outros assuntos conexos. Convidei centenas de peritos a darem a sua opinião sobre esses temas. Nunca me passou pela cabeça convidar o presidente do CO.

Sim, porque nisto tudo há um presidente do CO. É o Sr. Coelho da Silva.

Um problema chamado Coelho da Silva

Coelho da Silva foi tirado da cartola no exato momento em que o CO foi destituído dos principais poderes que até então detinha. Claro que aceitou a correr ser candidato a presidente de um órgão ferido de morte. Há pessoas assim. Todos os que conhecemos a história da RTP sabemos o nome do responsável pela “promoção” de Coelho da Silva que se arrasta na presidência do CO há 20 anos, concorrendo com Kim Il-sung em termos de longevidade no poder. 20 anos!

O Sr. Coelho da Silva subtrai-se ao dever de, depois da audição do indigitado e ouvida a opinião dos membros do CO, elaborar um parecer sobre a pessoa do indigitado conforme à legislação aplicável. Não, ele não propõe a redação de um parecer, nem o submete à apreciação, eventual votação, dos membros do CO. Esconde-se por trás de um voto secreto como se de uma eleição se tratasse. De resto, a cabeça do Sr. Coelho da Silva anda tão desgovernada que fez aprovar em 2017 um regulamento do CO em que descreve os procedimentos para a eleição dos provedores do ouvinte e do telespetador. Lá está o sapateiro a ir mais longe do que a sandália! Como se ao CO coubesse tal eleição, tal escolha!

O Sr. Coelho da Silva, de cada vez que o conselho de administração lhe apresenta um nome para provedor, rosna, resmunga e ameaça: “Teria sido melhor consensualizarmos um nome antes de proporem alguém...” O coelho quer fazer de leão e não perdoa a quem se recusa a entrar no circo e prefere cumprir a parte que a lei determina ser a sua: indigitar o provedor. Reduzido ao que a legislação determina ser a sua toca, o coelho não se fica. Promove a sua vingançazinha. Bate o pé. Ele quer ser um leão. Não é, seguramente, um mero coelho!

Está na hora de acabar com esta farsa que desprestigia a RTP, enxovalharia o bom nome de pessoas caso a opinião do CO fosse tida como relevante, é péssimo exemplo para as instituições democráticas e inibe pessoas capazes e idóneas de aceitarem ser indigitadas para provedores, não vá o CO e o Sr. Coelho da Silva tecê-las! Sim, porque este não é o primeiro caso de despudorado e obsceno “veto” por parte do CO. João Paulo Guerra que o diga!

A revisão em curso do contrato de concessão da RTP é um excelente pretexto para rever os Estatutos da RTP retirando deles uma palavra, só uma palavrinha: “vinculativo”. Sem esse poder, a tentação do CO se fazer valer à custa do bom nome de terceiros desapareceria e o espaço público português ficaria mais respirável.

Em tudo isto fica-me uma dúvida: por que razão, em sinal de protesto contra estas ignóbeis arbitrariedades, não se demitem as pessoas decentes que integram o CO? Mistério!...

Jornalista. Ex-provedor do telespetador da RTP

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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