Mulher transexual encontrada morta em Matosinhos. Polícia Judiciária investiga
Angelita Correia estava desaparecida desde o dia 2 de Janeiro. “É prematuro estar a avançar qualquer tipo de conclusões”, diz fonte oficial da Polícia Judiciária
A Polícia Judiciária está a investigar a morte de Angelita Correia, cujo corpo terá sido encontrado esta segunda-feira em frente à Praia de Matosinhos. “Só podemos confirmar que no dia 2 desapareceu uma pessoa e que no dia 11 apareceu um corpo que poderá corresponder a essa pessoa”, salientou fonte oficial. O cadáver encontrava-se em adiantado estado de decomposição. “A PJ está a investigar as causadas da morte no sentido de verificar se correspondem ou não à intervenção de terceiros. É prematuro estar a avançar qualquer tipo de conclusões.”
No primeiro dia do ano, Angelita terá saído de casa, dizendo ao seu marido que ia visitar uma amiga. O marido falou com ela já depois dela sair. “Ela estava na área da Rotunda da Boavista [no Porto], onde tinha ido visitar uma amiga e falamos ao telefone”, afirmou, citado pelo Jornal de Notícias. “Quando lhe voltei a ligar, era já 1h12, o telefone dela já deu sinal de desligado.”
Teria feito uma transmissão em directo para uma rede social, o Instagram, revelando que estava a ser intimidada, mas não sentia receio. “À noite, eu vi uma notificação no Instagram dela fazendo uma live”, contou a irmã, Suzana Alves Alcântara, ao portal de notícias G1. “Ela disse que estava sendo ameaçada, mas que não tinha medo. Em seguida, a live pausou. Minha sobrinha chegou a ligar para ela depois e contou que a Angelita estava muito nervosa, olhando para os lados e pedindo para ligar para o marido dela.”
A família encheu-se de preocupação. Que teria acontecido? Na manhã seguinte, pertences pessoais de Angelita foram encontrados do areal da Praia de Matosinhos. A bolsa e lá dentro a carteira, com dinheiro, cartões bancários. As suas botas e meias. Nem sinal da roupa, nem do telemóvel. Publicaram fotografias dela, vestido o casaco branco com que saíra de casa no dia 1.
Esta segunda-feira, um surfista deu com um corpo a boiar e alertou as autoridades. A operação de resgate ocorreu por volta das 17h00, com recurso duas embarcações, uma da Polícia Marítima e outra do Instituto de Socorros a Náufragos. O corpo, que corresponde às características do seu, foi conduzido, na embarcação Duque da Ribeira, para o cais da marina de Leça da Palmeira. Seguiu para a Delegação Norte do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, onde será sujeito a autópsia e a exames complementares.
Angelita Seixas Alves Correia tinha 31 anos. Veio de Goiânia, no Estado de Goiás, no Brasil, para Portugal em 2016, decidida a melhorar a sua vida e a ajudar a família. Casou-se em 2018 com um cidadão português. Seria instrutora de dança. Teria acabado uma formação como personal trainer e iria começar a trabalhar nessa área.
As manifestações de pesar começam a surgir nas redes sociais de activistas LGBT+. “É com muita tristeza que comunicamos o falecimento de Angelita Correia, mulher trans brasileira”, escreve a Queer Tropical, um grupo que responde às dúvidas das pessoas LGBT+ que desejam fazer as malas e sair do Brasil desde as eleições presidenciais de 2018. “O Queer Tropical lamenta imensamente e envia os mais sinceros sentimentos de solidariedade à família e aos amigos de Angelita.”
“Apesar dos contornos do ocorrido ainda não serem completamente conhecidos, é impossível não pensar num crime de ódio”, comentou Fabíola Neto Cardoso, sócia fundadora do Clube Safo e deputada do Bloco de Esquerda na Assembleia da República. “O nome de Gisberta é uma triste memória sempre presente. As pessoas trans continuam vulneráveis e expostas a níveis de violência inadmissíveis.” Outros activistas, como Nuno Pinto, que já foi presidente da Ilga-Portugal, pedem cautela: “Assumir que é um crime de ódio ‘apenas’ porque a pessoa é LGBT não faz sentido, diria mesmo que é irresponsável.”
Ali mesmo, em Matosinhos, existe o Centro Gis, um centro de respostas às populações LGBT criado pela Associação Plano i, assim chamado em memória de Gisberta Salce Júnior, que em 2006 foi morta por um grupo de rapazes no Porto. Angelina não frequentava aquela estrutura.