Fechar as escolas reduz transmissão de forma mais acentuada, mas é possível fazer descer o R com aulas presenciais

Fechar ou não as escolas é a grande questão em cima da mesa perante o cenário de crescimento exponencial de casos de covid-19, cujo risco de transmissão está em 1,22. Especialistas fazem a análise da situação epidemiológica que ajudará o Governo a decidir as próximas medidas de restrição, que o primeiro-ministro já admitiu poder aproximar-se do confinamento de Março e Abril.

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rui gaudêncio

O crescimento de casos de covid-19 no país parece estar associado à maior mobilidade que aconteceu por altura do Natal e do Ano Novo, elevando o risco de transmissibilidade (R), que passou de 0,98 para 1,22. Fechar as escolas permitirá reduzir a transmissão do vírus de forma mais acentuada, mas se tudo o resto confinar, será possível fazer descer o R mesmo com aulas presenciais. Mas há dados diferentes e análises distintas. E uma questão que também entra na equação final: sem aulas na escola, o que será da saúde mental das crianças e adolescentes?

“Houve um aumento da incidência muito acentuado. O número de novos casos, por início de sintomas, ultrapassou em cerca de 130% o valor máximo de Novembro. O R esteve a descer de forma sistemática durante o período de Outubro, Novembro e Dezembro. Chegou a estar, durante algum tempo, abaixo de 1”, explicou Baltazar Nunes, epidemiologista do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa), na reunião que se realiza no Infarmed em que os especialistas fazem um retrato da situação epidemiológica aos políticos.

O especialista explicou que este cenário começou a mudar na véspera de Natal, com “o valor do R com um aumento de forma muito rápida”. “A 25 de Dezembro, o R era de 0,98 e passou para 1,22 a 30 de Dezembro” em termos nacionais, deixando o país numa “situação de risco de transmissão elevado”. A região norte regista o valor mais baixo: 1,18.

Baltazar Nunes explicou que recorreram ao indicador de mobilidade do Google para perceber que houve maior mobilidade nas vésperas de Natal e de Ano Novo. “No dia antes da passagem do ano, a mobilidade esteve próxima de valores do período de pré-pandemia e depois houve uma queda significativa para níveis próximos do confinamento de Março e Abril. Houve uma grande redução da mobilidade no dia da passagem de ano”, disse, acrescentando: “O aumento da mobilidade antes do Natal e do Ano Novo aparentemente parece estar em associação ao aumento de casos, mas não foi generalizado em todos os países.”

O epidemiologista apresentou uma avaliação do impacto dos confinamentos aos fins-de-semana, que parecem ter tido algum efeito na redução do risco de transmissão. Falou de uma taxa de incidência a crescer próximo dos 3% no período antes do confinamento aos fins-de-semana, passando depois a registar-se uma redução com uma tendência de crescimento à volta dos 1,4%. “Antes destas medidas, o Rt estava em 1,3 e depois o Rt ficou em 0,78.”

E assim passou-se para a questão do momento: o encerramento das escolas. Baltazar Nunes explicou que foi feita uma análise de três cenários, cuja base é um confinamento da comunidade semelhante ao de Março e Abril (mesmo em relação ao trabalho), mas mudando contactos e mobilidade dentro das escolas. Assim, um dos cenários mantinha as escolas abertas, com níveis de contacto e mobilidade semelhantes aos registados antes pandemia; outro teria ensino à distância acima dos 15 anos; o último teria todas as escolas fechadas.

“Se não houver intervenção, mantendo valor do R igual ao de agora, as hospitalizações e os casos vão aumentar de forma exponencial. Quanto mais fechadas estiverem as escolas e a comunidade, maior a redução na comunidade. Fechando outros locais e mantendo as escolas abertas, há redução do R abaixo de 1, mas não é tão pronunciada como se fechar as escolas”, concluiu.

Prevalência acima dos 20 anos

O especialista Henrique Barros, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, faz um balanço à questão da permanência das actividades lectivas presenciais. O epidemiologista relembra que a epidemia está mais forte em pessoas com idades compreendidas entre os 20 e os 49 anos, vincando que não existe registo de surtos de grande dimensão desde o início do presente ano lectivo.

“Nesta segunda fase, o grupo etário em que a epidemia está com mais força é entre os 20 e os 49 anos. Só depois vêm as outras idades, e o pico não são as idades escolares, não são elas a ‘locomotiva’ da infecção. Mas estas idades têm muitos estudantes universitários. É muito importante lembrar que a informação obtida no caso de controlo mostra que estes estudantes têm menos risco de infecção do que as pessoas na mesma idade que não estão na universidade”, explica Henrique Barros.

Na mesma intervenção, o especialista mostra que não há relação entre a mobilidade e o aumento do número de casos, deixando claro que este indicador não implica que as medidas de confinamento não têm impacto. “Têm sim efeito. Antes da ocorrência das medidas, o aumento diário dos concelhos atingiu a certa altura os 480 [casos por cada 100 mil habitantes] e esse aumento é de 3,5%. Só com as medidas de restrição do fim-de-semana há uma diminuição diária de 0,7%. Estas medidas funcionam”, prossegue.

Saúde mental melhora

Carla Nunes, especialista da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Universidade Nova de Lisboa, olhou com especial atenção para as últimas duas semanas e concluiu que “houve uma melhor saúde mental” durante as últimas semanas, o que coincide com a época festiva e com o levantamento de algumas restrições, nomeadamente do fim da proibição de circulação entre concelhos durante o Natal. Mas as mulheres, os mais jovens e as pessoas com baixa escolaridade continuaram a assinalar um estado de saúde mental mais preocupante do que a média.

“Houve uma recuperação do estado de saúde mental na última quinzena. As mulheres, os mais jovens e as pessoas com menor escolaridade mostraram piores estados de saúde mental”, detalha. Um dado que pode pesar também na decisão de encerrar ou não as escolas. 

Usando os dados do Barómetro Social da ENSP, Carla Nunes referiu que, em relação à ultima apresentação feita no Infarmed, a percentagem de pessoas que consideram as medidas tomadas pelo Governo no combate à pandemia melhorou, mas assim cerca de 40% consideram-nas pouco ou nada adequadas. Já quanto à vacina, aumentou a percentagem daqueles que estão mais confiantes na segurança e eficácia da vacina. Tal como os que estão disponíveis para a tomar assim que ficar disponível, com 65,8% a dizerem que a tomam logo que disponível. Com destaque para os mais velhos, “com quase 100% de disponibilidade para tomar a vacina”.

Em relação à percepção de risco e comportamentos associados, uma análise às duas últimas quinzenas (de 12 Dezembro a 8 de Janeiro) mostrou um decréscimo na utilização da máscara, que é atribuído a uma alteração de comportamento associado ao período festivo. Segundo os dados apresentados, o número de pessoas que reportam utilizar “sempre” a máscara quando saem de casa e estão com outras pessoas que não vivem consigo diminuiu 10,4% nas últimas duas quinzenas (de 86,7% na quinzena 28 Novembro-11 de Dezembro para 76,3% na quinzena 26 Dezembro-8 Janeiro).

No mesmo período (28 Novembro-8 Janeiro), 60% das pessoas que estiveram num grupo com dez ou mais pessoas reportam não ter tido sempre a máscara posta, representando um aumento de 33,6%.

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