João Ferreira garante que “tudo faria” para travar crescimento do Chega
No debate desta noite, na RTP3, o candidato do PCP recusa saúde a la carte, Vitorino Silva diz que o “Estado tem de salvar vidas”
O comunista João Ferreira assumiu-se como o candidato da Constituição, mas não usou a Lei fundamental como o instrumento que travaria a participação do Chega numa eventual solução governativa. O debate entre João Ferreira e Vitorino Silva (conhecido como Tino de Rans), esta noite, na RTP3, mostrou divergências entre um candidato suportado por uma base ideológica e um candidato que usa imagens simples para transmitir ideias. O tom foi sempre ameno.
Sobre a questão de um Presidente da República poder dar posse a um Governo que seja viabilizado pelo Chega, João Ferreira disse ter “noção” dos poderes presidenciais. “Não posso nem devo inventar poderes. Eu, sendo Presidente da República, tudo faria para que um partido desses não chegasse a uma solução governativa”, disse, acrescentando que “encaminharia a vida nacional num dado sentido em que os que manipulam o descontentamento não tivessem o caldo de cultura para crescerem”.
O candidato do PCP e eurodeputado assinalou que há um exagero nesse cenário “propagandeado pela comunicação social” sobre o papel do partido num eventual Governo.
No exemplo concreto do governo regional dos Açores, formado por PSD, CDS, PPM e com apoio parlamentar do Chega, o candidato comunista diz que faria diferente de Marcelo Rebelo de Sousa: “Daria indicações ao Representante da República para o partido mais votado [PS] formar Governo”. Mesmo que, à partida, o PS não tivesse maioria, apontou.
Sobre a mesma questão, o antigo autarca da freguesia de Rans, Penafiel, preferiu usar a imagem da Constituição como se fosse uma carta de condução. “O partido Chega tem o alvará para conduzir. O Presidente da República é, no fundo, o polícia que esta ali a zelar pelo cumprimento dos sinais. Se não respeitar os sinais, claro que não toma posse”, defendeu, sem concretizar com exemplos.
Perante um candidato que defende de forma intransigente o Serviço Nacional de Saúde, Vitorino Silva recusou escolher entre o papel do público e do privado para gerir a pandemia. “Se o Estado salvar vidas, a vida de uma pessoa não tem preço. E se o hospital privado estiver ali ao lado nem que se pague mais um bocadinho… O lucro é uma coisa natural”, disse. O candidato relatou, depois histórias pessoais, para deixar a ideia de que é frequentador do sector público, mas que também não tem nada contra os privados.
Foi a deixa para o candidato comunista apontar o exemplo do “mercado de saúde” dos Estados Unidos – “ó João tens razão”, observou Vitorino – um sistema que deve servir de “lição”. João Ferreira defendeu que “deve ser usada toda a capacidade instalada” na saúde e que “é inaceitável que os privados possam escolher a la carte”.
Numa altura em que o Governo deverá apertar mais as restrições para combater a pandemia, a questão do adiamento das presidenciais está em cima da mesa. Vitorino Silva, que ao contrário dos outros candidatos ainda não foi convidado para a reunião do Infarmed da próxima terça-feira, congratulou-se por ter falado na questão do adiamento das eleições em Setembro quando apresentou a sua candidatura. O candidato apontou também como um problema o voto dos idosos que estão nos lares. “Estiveram presos estes meses e agora vão sair para ir às urnas?”, questionou o líder do partido RIR (Rir, Incluir, Reciclar).
Lembrando que “nunca houve confinamentos gerais”, João Ferreira defendeu a necessidade de dar mais protecção aos trabalhadores, que pode ter de passar por reorganizações laborais, e insistiu na ideia de que é preciso que os apoios cheguem a quem precisa.
Na conclusão do debate e no último frente-a-frente na RTP, o moderador deu uma oportunidade aos candidatos para falarem livremente. Vitorino Silva saudou a decisão de o terem incluído nos debates porque “o povo também fala”. Já João Ferreira disse estar a ser visto como o candidato da Constituição. Esse rótulo já tinha sido questionado pelo jornalista na medida em que o PCP tem condenado as sucessivas revisões da Lei fundamental, considerando-as um retrocesso. O eurodeputado assume que as alterações deram um “pendor negativo”, mas que não o leva a rejeitar a versão actual: “Não ganhámos com essas alterações. Apesar de tudo ela conserva um sentido geral positivo.”