Primeira bailarina negra no Staatsballet Berlim luta contra o racismo no ballet
Chama-se Chloe Lopes Gomes, tem 29 anos e tornou-se na cara da luta contra o racismo no ballet depois de uma entrevista ao The Guardian. “O ballet é um ambiente muito elitista e fechado e é reservado a uma certa classe social. Estruturalmente, as minorias não têm acesso a estas grandes artes”, diz.
Chloe Lopes Gomes tornou-se o rosto contra o racismo no ballet, após denunciar a discriminação que diz ter sofrido na companhia Staatsballet Berlim, e afirma que tem recebido queixas semelhantes de dançarinos em todo o mundo, pelos quais promete lutar.
Filha de pai cabo-verdiano e mãe franco-argelina, Chloe Lopes Gomes, de 29 anos, concretizou um sonho ao fazer parte do corpo de ballet do Staatsballet Berlim, em 2018. Sem o saber, tornou-se a primeira bailarina negra desta companhia.
“Não sabia que tinha sido a primeira mulher de cor a aderir ao Staatsballett de Berlim. No espectáculo do Lago dos Cisnes, uma jornalista veio falar comigo, agradavelmente surpreendida por ver uma mulher de cor no corpo de ballet”, contou, em entrevista à agência Lusa, por escrito.
Apesar de “orgulhosa” por este pioneirismo, Chloe preferia que fosse assunto pelo seu talento e não pela cor da pele. Mas o facto de ser negra foi insistentemente recordado por uma professora de ballet da companhia que, inclusive, a obrigou a usar pó branco para clarear a pele e lhe recusou um véu branco, porque esta não era a sua cor.
Os colegas assistiam a estes episódios e a bailarina denunciou-os à companhia, mas foi após uma entrevista ao jornal The Guardian que as denúncias começaram a ser levadas a sério, principalmente porque Chloe foi dispensada, alegadamente devido às restrições impostas pela pandemia de covid-19.
“O ballet é um ambiente muito elitista e fechado e é reservado a uma certa classe social. Estruturalmente, as minorias não têm acesso a estas grandes artes”, disse, assumindo-se a favor da sua democratização e de as tornar mais acessíveis, mantendo as exigências e a excelência das instituições.
“Se não encontrar crianças de cor nas escolas de ballet, não as encontrará nos ballets. É responsabilidade dos directores das escolas de dança estender a mão às minorias para encontrar o futuro talento de amanhã e dar-lhes oportunidades de formação, as mesmas oportunidades que dão aos outros”, referiu.
Em relação ao impacto das denúncias de discriminação, Chloe enumera as dificuldades: “Não há sindicatos para nos proteger, nem órgãos onde possamos denunciar estes incidentes directamente aos recursos humanos”. “É preciso muita coragem para falar, quer se trate de racismo ou de outras formas de abuso. Não é raro neste ambiente ser assediado e abusado psicologicamente. Mas ao tentar quebrar este código de silêncio, as reacções certas não se manifestam, e eu paguei o preço”, disse.
Chloe Lopes Gomes conta que, no início, ainda tentou resolver o assunto internamente, mas a directora, Christiane Theobald, “não tomou as medidas necessárias” e “continua a desempenhar impunemente as suas funções”. “Não tive outra escolha senão revelar a minha história para assistir a uma mudança profunda. Nesta situação, que é mais do que desastrosa, o racismo deve ser levado a sério e não deve ser colocado debaixo do tapete, como o Staatsballett fez e continua a fazer”, adiantou.
Num comunicado na sua página da rede social Facebook, publicado após as denúncias de Chloe, o Staatsballett Berlin assumiu que as mesmas “demonstraram que as competências necessárias para lidar com qualquer forma de discriminação precisam de ser trabalhadas arduamente”. Apostada em “fazer mudanças profundas”, a companhia anunciou que “está em curso uma investigação” com o apoio de uma organização externa com vista à identificação de “comportamentos discriminatórios”.
A bailarina não está sozinha na luta. Desde as suas denúncias, recebeu “muitas mensagens e apoio de dançarinos de todo o mundo que são ou foram discriminados, não só em relação à sua cor, mas também em relação à religião e ao género”.
Chloe está focada na mudança, em trazer o ballet para o século XXI, e o seu objectivo é contribuir para “uma verdadeira mudança nas instituições, que deveriam representar os valores da tolerância, respeito e igualdade, para que não permaneçam prisioneiros deste conservadorismo, neste velho sistema de ensino que transmite certas ideias racistas, como os rostos pretos criados para caricaturar os homens negros”.
“Estas práticas ofensivas não têm lugar no entretenimento. Portanto, o ballet tem de representar os costumes actuais e tem de representar todos nós, tem de ser mais inclusivo”, defendeu.
Na sua luta, não lhe têm faltado ajudas, nomeadamente financeiras para pagar os honorários legais. Os apoios chegam “de todo o mundo” e incluem associações, como o movimento internacional Black Lives Mater ou a plataforma Blacks in Ballet que divulga a arte dos dançarinos negros.
“Recebi muitas mensagens de apoio de pessoas que, neste momento, se aperceberam que não estão sozinhas. Sim, estou a lutar por mim, mas também por todos aqueles que não têm a oportunidade de se expressar”, adiantou.
Chloe gostava de contribuir para a mudança e de fazer evoluir as mentalidades. Consciente que a luta vai ser difícil, tem apenas uma certeza: “A discriminação não tem lugar nas artes.”