O lançamento distópico de Cyberpunk 2077
Um dos videojogos mais esperados e importantes de 2020 chegou ao mercado e ergueu-se um coro de vozes críticas e descontentes. A CD Projekt Red tem em 2021 um ano para recuperar a sua reputação enquanto lida com uma comunidade desconfiada.
Cyberpunk 2077 despertou a curiosidade e a imaginação dos jogadores muito antes de chegar ao mercado. Era uma das obras mais aguardadas em 2020 e será inequivocamente um dos títulos associados ao ano transacto. Infelizmente para a produtora CD Projekt Red (e para a comunidade de jogadores que esperou e desesperou pelo jogo), os motivos de tamanho destaque no pós-lançamento estão longe de serem homogéneos.
A aventura Role Playing Game que coloca o jogador na pele de V transporta-nos para Night City, metrópole que prometia liberdade para a exploração e um coração a bater em tons de néon. O entusiasmo era arrebatador, mesmo depois de o lançamento ter sido adiado diversas vezes — primeiro de Abril de 2020 para Setembro, depois para Novembro e, finalmente, em Outubro acabaria por ser adiado para o dia 10 de Dezembro.
Quando chegou ao mercado, Cyberpunk 2077 ficou disponível no PC, PlayStation 4, Stadia e Xbox One — as consolas da Sony e da Microsoft estão disponíveis em duas variantes: a PlayStation 4 e a PlayStation 4 Pro, a Xbox One e a Xbox One X, respectivamente; os modelos Pro e X têm mais capacidade tecnológica, sendo versões melhoradas dos modelos que chegaram originalmente ao mercado.
Há relatos de erros sérios e momentos caricatos protagonizados pela obra da CD Projekt Red em todas as plataformas, mas é precisamente nos modelos originais das consolas que os jogadores estão a encontrar uma experiência de jogo bem diferente do que foi prometido — e mostrado — pela casa polaca. Aliás, o volume de queixas e o tom do descontentamento foi tal que a Sony e a Microsoft tiveram que reagir à situação.
Falha com direito a reembolso
A Microsoft comunicou que “para garantirmos que cada jogador consegue obter a experiência que espera na Xbox, vamos alargar a nossa política de reembolso existente para disponibilizar a restituição total a quem tenha comprado o Cyberpunk 2077 digitalmente através da Microsoft Store, até nova indicação”. Na página digital da obra está bem visível o aviso que “este jogo poderá apresentar problemas de desempenho nas consolas Xbox One até serem disponibilizadas novas actualizações”. A comercialização continua, com um preço marcado nos 69,99 euros.
A Sony foi ainda mais longe nas medidas aplicadas. Todos os jogadores que compraram Cyberpunk 2077 na PlayStation Store tem direito a pedir um “reembolso integral”, mas a medida que abalou a indústria é que, “até novo aviso”, o jogo foi removido da loja digital da empresa nipónica. Foi também criada uma página online específica para quem não estiver satisfeito com a versão PlayStation 4 da aventura.
Mesmo contando com os adiamentos já mencionados, a produtora reconheceu publicamente o lançamento falhado. “Depois de 3 adiamentos, nós como o Conselho de Gestão estávamos demasiado focados em lançar o jogo. Subestimámos a escala e a complexidade dos problemas, ignorámos os sinais sobre a necessidade de tempo adicional para refinar o jogo nas consolas base da geração anterior,” comentou Adam Kiciński, um dos directores executivos da produtora, numa conferência telefónica com os investidores.
“Foi a abordagem errada,” continuou, “e contra a nossa filosofia empresarial”. Kiciński pronunciou-se ainda sobre o facto de a CD Projekt Red ter promovido o jogo sem dar grande destaque às problemáticas versões PlayStation 4 e Xbox One. “Além disso, durante a campanha, mostrámos o jogo sobretudo em PC. Isto causou a perda da confiança dos jogadores e da reputação que temos estado a edificar durante uma grande parte das nossas vidas”, concluiu.
Actualizações para “reconstruir a confiança”
A produtora tem actualizado o jogo desde o seu lançamento, com a mais recente correcção publicada no passado dia 23 de Dezembro. Kiciński tinha prometido precisamente esse caminho de acções. “É por isso que os nossos primeiros passos são apenas focados em recuperar essas duas coisas. Estamos concentrados em consertar Cyberpunk nas consolas da geração passada”.
E as melhorias não vão parar nos próximos tempos, diz Kiciński. “Grandes actualizações estão planeadas para Janeiro e Fevereiro, juntamente com pequenas correcções. Obviamente, os jogadores PC também receberão actualizações e correcções para melhorar o jogo. Vamos fazer tudo o que for possível para provar que mantemos os nossos valores. Esperamos honestamente que os nossos esforços permitam reconstruir a confiança que perdemos”.
A escala de Cyberpunk 2077 é inegável, mas o período de desenvolvimento foi longo. A obra está publicada desde o final de 2020, mas o anúncio original foi feito em 2012. Isto não evitou, contudo, acusações de “crunch”, designação aplicada ao período precedente ao lançamento onde os funcionários fazem horas extraordinárias. Segundo o Bloomberg, foram semanas com seis dias de trabalho obrigatórios para tentar limar arestas antes da publicação. Antes, em 2019, Marcin Iwiński, co-fundador do estúdio, disse que queriam “ser mais humanos e tratar as pessoas com respeito”.
Instalou-se um circo mediático que acompanhou um lançamento distópico e atípico, certamente insuflado pela importância que Cyberpunk 2077 foi acumulando com o passar dos anos. É inegável que a obra sofreu com erros graves e deslizes incompreensíveis: por exemplo, Liana Ruppert, editora-adjunta da Game Informer, relatou o ataque de epilepsia desencadeado pela sua experiência com o jogo. A produtora afirmou que estava a trabalhar em avisos mais proeminentes e Ruppert acabou por colaborar com a CD Projekt Red para desenvolver uma animação modificada. A animação e o aviso foram entretanto adicionados ao jogo.
13 milhões de unidades vendidas
Os jogadores não foram os únicos a perderem a paciência com o estado em que a aventura chegou ao mercado. Os investidores processaram judicialmente a CD Projekt Red, com duas sociedades de advogados a alegarem que as declarações da produtora sobre o jogo durante 2020 foram “materialmente falsas e enganadoras”. O jogo, é dito, “era virtualmente não jogável nos sistemas Xbox ou PlayStation da actual geração devido a um enorme número de erros”.
Se dúvidas houvesse sobre o entusiasmo e a crença relativamente ao lançamento do jogo, os números não enganam: Cyberpunk 2077 registou oito milhões de pré-encomendas. E, mesmo com todos os problemas descritos, dia 22 de Dezembro, 2020, uma nota enviada aos investidores atestou que entre os dias 10 e 20 de Dezembro, as vendas tinham passado os 13 milhões de unidades — esta marca tem em consideração os reembolsos pedidos pelos jogadores insatisfeitos com a qualidade da obra.
Cyberpunk 2077 terá em 2021 um ano decisivo para deixar de ser um pária. Além das correcções, está prometido conteúdo novo. O jogo pode ser experimentado na PlayStation 5 e na Xbox Series através das respectivas funcionalidades de retrocompatibilidade. As actualizações gratuitas que permitirão tirar partido do mais recente hardware deverão ser publicadas este ano. E é possível transformar uma obra com um lançamento tremido em algo adorado, como tão bem ilustra a trajectória de No Man’s Sky, obra publicada originalmente em 2016, no seu pós-lançamento.
Recuperar a reputação
O percurso não se adivinha fácil, contudo. Recentemente, um tópico que chegou ao Reddit depois de ter sido publicado no GameFAQs, ganhou tamanha tracção que a produtora Polaca viu-se forçada a refutar os rumores sobre conteúdo cortado e saídas do estúdio. “Normalmente não comentamos rumores, mas desta vez queremos abrir uma excepção porque esta história é simplesmente falsa,” foi dito dia 6 de Janeiro.
Neste momento esse futuro é uma incógnita, mas a CD Projekt Red está a trabalhar em contra-relógio para recuperar a reputação e também para tentar estancar a hemorragia de jogadores, que parecem estar rapidamente a perder o interesse. Cyberpunk 2077 chegou a ser jogado em simultâneo por um milhão de jogadores no Steam aquando do seu lançamento. Agora, a empresa Githyp revela que o número caiu para aproximadamente 225 mil jogadores, uma quebra acentuada muito mais rapidamente da que foi registada por The Witcher 3: Wild Hunt, uma das coqueluches da produtora.
A CD Project Red pode “fazer tudo o que for possível para provar que mantemos os nossos valores”, mas derradeiramente será a comunidade a decidir com o seu tempo e com a sua carteira se está disponível para continuar esta jornada.