Indonésia liberta antigo líder do grupo por trás dos atentados de Bali
Um dos fundadores da Jemaah Islamyah, a organização que foi o principal elo da Al-Qaeda no Sudeste Asiático, Abu Bakar al-Bashir, tinha sido condenado a 15 anos de prisão em 2011.
Durante muitos anos considerado a força motora do radicalismo islâmico na Indonésia, Abu Bakar al-Bashir foi condenado em 2011 por envolvimento nos campos de treino na província de Aceh, onde combatentes planeavam ataques contra alvos políticos no país. Anos antes, esteve detido por suspeitas de conspiração nos atentados de Bali, que mataram 202 pessoas em 2002, mas viu a primeira condenação anulada em recurso. Aos 82 anos, saiu esta sexta-feira da prisão.
As bombas que explodiram num bar e num clube de Kuta, uma das zonas turísticas mais conhecidas da ilha de Bali, fizeram mortos de 21 nacionalidades. Muitas eram australianas: o primeiro-ministro da Austrália, Scott Morrison, descreveu a libertação de Bashir como “angustiante” para os familiares das vítimas.
Considerado por alguns investigadores e por serviços secretos de diferentes países como o “mentor” dos ataques de Bali, os mais devastadores que já aconteceram na Indonésia, o papel de Bashir nunca foi totalmente esclarecido.
Há poucas dúvidas de que fosse comandante (ou pelo menos “líder espiritual”) da Jemaah Islamyah (JI, “Comunidade Islâmica”) e do papel deste grupo nos ataques – a JI foi durante anos o principal elo da Al-Qaeda no Sudeste Asiático. Também é certo que Bashir fundou a escola Al-Mukmin, de onde veio Amrozi, dono da carrinha usada nos atentados e que terá comprado os explosivos, executado em 2008.
Sidney Jones, director do Institute for Policy Analysis of Conflict, em Jacarta, diz à BBC que as decisões operacionais couberam a outros na JI mas que terá sido Bashir a dar “a luz verde”. “Ele não os planeou. Mas é a pessoa que poderia tê-los travado se dissesse ‘não’”, afirma Jones.
Bashir acabou por anunciar que se afastava da JI, em 2008, para fundar outro grupo extremista, a Jemaah Anshorut Tauhid (JAT, “Partidários da Unidade de Deus”). Já em 2014, a JAT dividiu-se em dois grupos diferentes, quando Bashir jurou aliança a Abu Baqr al-Baghdadi, o iraquiano líder do Daesh que foi morto em 2019.
A pena de 15 anos a que Bashir foi condenado em 2011 foi encurtada em 55 meses, por bom comportamento, e os responsáveis prisionais dizem que “cumpriu bem a sua punição”. Segundo as autoridades indonésias, vai entrar num programa de desradicalização.
“Forte influência”
Durante a campanha para as eleições de 2019, o Presidente Joko Widodo ponderou libertar Bashir por motivos humanitários (para além da idade e dos seus problemas de saúde) mas o plano foi abandonado quando este recusou jurar fidelidade aos pilares da “Pancasila”, o conjunto de princípios que acompanharam o nascimento do Estado indonésio, onde se incluiu o secularismo, e que continuam a ser respeitados. Na altura, Widodo foi acusado de querer apaziguar os radicais.
A Al-Jazeera falou com Farihin, um membro da JI que viveu vários anos com Bashir na Malásia e que o visitou há dois meses na prisão. Descrevendo-o como de boa saúde do ponto de vista físico, diz que teve dificuldades em recordar nomes de amigos ou dos seus advogados.
Mas Farihin não tem dúvidas que Bashir “ainda tem uma forte influência” na Indonésia. “É por isso que o Governo tem tanto medo dele. Uma palavra dele e os seus seguidores revoltam-se. E ele acredita na jihad armada.”
Bashir já não é mesmo
A sua libertação acontece meses depois da detenção de vários membros importantes da JI. E, na quarta-feira, a unidade de contraterrorismo indonésia lançou uma operação em Makassar (Sulawesi) contra o esconderijo de 22 suspeitos membros de um dos grupos em que se dividiu a JAT, de Bashir, matando dois que resistiram à detenção.
Os suspeitos terão estado envolvidos na explosão de duas bombas diante de uma catedral católica na ilha de Solo, no sul das Filipinas, que fizeram 20 mortos em 2019.
Judith Jacob, analista de terrorismo e segurança na London School of Economics, diz à Al-Jazeera que as recentes detenções sugerem que os serviços de segurança continuam a ser “em grande parte eficazes” na contenção da ameaça dos grupos radicais na Indonésia.
Para Jacob, a libertação de Bashir vai ser “festejada como uma derrota do Estado e um triunfo para os verdadeiros crentes” por alguns militantes e “Bashir vai poder encorajar as virtudes da jihad mais facilmente do que na prisão”. Mas defende que “não se deve exagerar o simbolismo da libertação e os efeitos deste púlpito alargado”. Isto porque “Bashir já não é o grande ideólogo que foi em tempos”.