Rússia aprova novas restrições a manifestações antigovernamentais
Regime de Putin torna ainda mais difícil desafiar o Governo, perspectivando as eleições legislativas deste ano. Uma pessoa com um cartaz terá de pedir autorização prévia.
Nunca foi muito fácil organizar protestos na Rússia desde que Vladimir Putin chegou ao poder, há mais de duas décadas. Mas a partir deste ano será ainda mais difícil. O Parlamento russo aprovou um pacote legislativo que expande as restrições à organização de manifestações antigovernamentais e que abre caminho à vigilância e censura nas redes sociais.
Aproveitando a maior desatenção durante a época natalícia, a Duma russa aprovou nos últimos dias de 2020 uma série de leis que restringem as manifestações de rua – que até agora já eram altamente restritivas. Uma das mudanças é a inclusão de protestos com apenas uma pessoa, que era uma forma habitual de contornar a falta de autorização para organizar uma manifestação, no âmbito mais geral das manifestações, obrigando a autorizações prévias.
Também passa a estar proibido organizar manifestações nas imediações de instalações das forças de segurança e são interditas as acções de protesto que forem apoiadas por organizações ou indivíduos catalogados como “agentes estrangeiros”, explica o Moscow Times.
Outra mudança é a expansão da categoria de “agentes estrangeiros”, que passa a poder ser aplicada a pessoas individuais, e não apenas a organizações, como até agora. O conceito surgiu pela primeira vez em lei em 2012, depois de uma série de protestos em Moscovo contra a reeleição de Putin para um terceiro mandato presidencial, ao fim de quatro anos como primeiro-ministro.
Inicialmente, o rótulo destinou-se a organizações da sociedade civil que tivessem algum tipo de apoio de fora da Rússia. O Kremlin considerava que este tipo de entidades estava por trás dos protestos com o objectivo de derrubar o Governo russo. No final de 2019, tinha sido aprovada uma lei que permitia a aplicação desta categoria a jornalistas estrangeiros, mas agora os critérios foram alargados para poder incluir qualquer indivíduo.
A nova lei diz que pessoas envolvidas em “actividades políticas” que ajam em interesse de “fontes estrangeiras” passam a poder integrar a categoria de “agente estrangeiro”. O conceito de actividade política é suficientemente vago para poder incluir. desde a militância partidária até à participação em protestos, a publicação de mensagens nas redes sociais ou o trabalho como monitor eleitoral.
O Parlamento aprovou ainda a proibição de canais das redes sociais que censurem os media estatais russos e a criminalização de injúrias propagadas na Internet, que visa particularmente a plataforma Telegram, muito utilizada na Rússia.
Olho nas eleições
As medidas são vistas como mais um golpe do regime russo contra as vozes discordantes, tornando a possibilidade de haver uma oposição estruturada ainda mais remota. “O Estado está a declarar guerra à sociedade civil”, diz o analista do Carnegie Center de Moscovo, Andrei Kolesnikov, citado pelo Moscow Times.
O endurecimento da perseguição aos opositores segue-se a um ano de consolidação do regime de Putin, que conseguiu fazer aprovar uma mudança constitucional, viabilizada por um plebiscito, que lhe permite manter-se no poder por mais uma década, se assim o desejar.
Mas também foi um ano de alguma instabilidade do ponto de vista do Kremlin. O principal dirigente da oposição, Alexei Navalni, foi vítima de uma tentativa de homicídio, que vários governos ocidentais atribuíram aos serviços secretos russos – Putin negou o envolvimento do Estado.
O regime russo também enfrentou forte contestação com manifestações de milhares de pessoas em Khabarovsk, cidade no extremo oriental do país, contra a detenção do governador local, que não pertence ao partido Rússia Unida, no poder.
“Os acontecimentos em Khabarovsk mudaram tudo, mostraram que os protestos maciços podem ocorrer nas províncias, e não apenas em Moscovo”, afirmou o vice-presidente da consultora moscovita Centro de Tecnologias Políticas, Alexei Makarkin.
Este ano, Putin espera conseguir manter a super-maioria do Rússia Unida nas eleições da Duma, num contexto de baixa popularidade do partido e com receio do “contágio” da instabilidade vivida na Bielorrússia, depois de denúncias de fraude eleitoral. “Estas leis são um escudo contra todos os cenários possíveis”, diz Kolesnikov.