Quarteirão da Confeitaria Nacional em Lisboa deverá ser convertido em hotel
Projecto já tem uma aprovação condicionada da Direcção-Geral do Património Cultural. Piso superior da histórica confeitaria deverá ser integrado no hotel, como sala de pequenos-almoços e restaurante.
A concretizar-se o plano dos promotores, a baixa de Lisboa terá mais um hotel numa das suas zonas mais nobres. O quarteirão que é delimitado pela Rua da Prata, Praça da Figueira e Rua dos Correeiros, deverá ser transformado numa unidade hoteleira de três estrelas, segundo o projecto que está em apreciação na Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), que já emitiu uma aprovação condicionada ao mesmo.
A empresa Rottshire submeteu à DGPC um Pedido de Informação Prévia (PIP) para a instalação de um hotel no edifício pombalino que alberga duas lojas históricas, recentemente classificadas como imóveis de interesse público: a Ourivesaria Barbosa e Esteves, que está encerrada desde 2018, e a Confeitaria Nacional, que se mantém em funcionamento há 191 anos. Este último estabelecimento será, de resto, integrado no projecto do hotel, ficando o primeiro andar da confeitaria como área para servir pequenos-almoços e restaurante.
O projecto apresentado para a transformação daquele prédio num hotel com 73 quartos, da autoria do atelier de arquitectura Metrourbe, “procura uma renovação e actualização do edifício, integrando as duas lojas históricas”. Os trabalhos abrangerão, por isso, a totalidade do imóvel pombalino, construído entre 1762 e 1769, segundo consta no processo submetido à DGPC consultado pelo PÚBLICO. Tem seis pisos, cave e subcave, e o promotor pretende demolir todo o interior a partir do piso 2, de modo a adaptar as habitações a quartos.
A avaliação da DGPC, no entanto, apenas incide sobre as alterações que poderão afectar os dois estabelecimentos classificados — e não para a totalidade do imóvel. Segundo fonte ligada ao projecto, foi já submetido à Câmara de Lisboa o processo de licenciamento urbanístico.
Manter as lojas
De acordo com o projecto apresentado, a recepção e o lobby de entrada do hotel ficarão voltados para a Praça da Figueira e estão previstas alterações no perímetro das lojas, nas áreas acessíveis a clientes e zonas de serviço. Essas transformações, que implicavam, numa primeira fase, o rasgo de uma das abóbadas pombalinas e a demolição de uma parede estrutural, mereceram parecer desfavorável do Património em Agosto de 2019.
Nesse parecer, a então directora-geral do Património, Paula Silva, justificava a decisão de não aprovação por entender que com as “transformações previstas para os espaços das duas lojas históricas”, concretamente “alterações arquitectónicas dos interiores e do património integrado”, se assistiria à “descaracterização do espírito do lugar”.
Ao longo do processo, os técnicos da DGPC notam que no edifício se conservam elementos estruturais e artísticos “com valor patrimonial, da fase da construção e da intervenção realizada em 1899”, como as fachadas em estrutura vertical e horizontal, a caixa de escada, duas abóbadas de aresta, um arco abatido e o arranque de outros arcos de suporte de alvenarias, os panos de apanhar das chaminés das cozinhas, molduras de vãos em peças de cantaria maciça, simples e trabalhadas, tectos estucados, azulejos, ferragens e guardas metálicas”, que devem ser preservados.
O promotor, a empresa Rottshire, efectuou entretanto alterações ao projecto prévio de arquitectura, que culminou em Setembro num parecer de aprovação ao Hotel da Betesga, mas condicionado à revisão de um conjunto de soluções arquitectónicas e à realização de trabalhos arqueológicos. Este parecer, nota a DGPC, incide apenas sobre os imóveis classificados. Na nova proposta, os autores do projecto deslocalizaram o elevador de serviço do hotel para a zona de saguão, evitando assim o rasgo numa das abóbadas pombalinas. O projecto passou também a conservar a chaminé pombalina que existe na cozinha da confeitaria no piso 1.
“Salienta-se a necessidade de preservação e valorização integral do património móvel integrado existente na Confeitaria Nacional, no espaço da antiga Ourivesaria Barbosa e Esteves e, também, no espaço ocupado pelo restaurante Cervejaria Moderna, incluindo todos os elementos arte nova, que devem ser integralmente mantidos (tecto, luminárias, molduras dos vãos exteriores e números de polícia, procurando torna-los aparentes ao público, se possível, em horários compatíveis com as funções que forem atribuídas a esses espaços”, notam os técnicos do Património.
No parecer de aprovação condicionada, de Setembro, a DGPC refere estar agora salvaguardada a integridade da parede pombalina existente entre a nova área do hotel e a Ourivesaria Barbosa e Esteves, no piso 0 e -1. O que será demolido são as escadas que ligam os pisos o e -1 da Ourivesaria Barbosa e Esteves, que considera não terem valor patrimonial. Segundo o despacho do chefe da divisão da salvaguarda do património arquitectónico, Carlos Bessa, as escadas são “datadas dos anos 70” e, por isso, “não revelam qualquer valor arquitectónico ou mesmo patrimonial na medida em que correspondem a soluções correntes sem qualidade reconhecida”.
Ainda assim, refere o parecer, será preservado o programa decorativo da cave (armários expositores e tecto). A ligação entre os dois pisos passará a ser feita no interior da área de arrumos existente, de modo a “salvaguardar todos os outros elementos de valor patrimonial reconhecido em ambos os espaços classificados (sejam as abóbadas e paredes estruturais pombalinas, entre outros elementos singulares)”.
Sala de pequenos-almoços
Da análise do projecto, a DGPC conclui ainda que a ourivesaria estará totalmente autonomizada do hotel. A Confeitaria Nacional conservará a sua autonomia, mas apenas ao nível do piso 0, para onde estão previstas algumas alterações como uma nova área com lugares sentados, sendo uma “extensão da sala de chá criada em 1920”. No primeiro andar serão servidos os pequenos-almoços e funcionará também o restaurante. Por esclarecer fica se esta área estará aberta ao público em geral ou apenas a hóspedes.
A esse respeito, numa reunião entre responsáveis da DGPC e os requerentes, em Outubro de 2019, estes informaram que era sua intenção passar a posse do imóvel para o descendente do fundador da Confeitaria Nacional.
O prédio em que a confeitaria está instalada desde 1829 foi um dos imóveis vendidos pela seguradora Fidelidade a empresas do grupo Apollo em 2018, ficando nas mãos da Fragrantstrategy. Passou, entretanto, para as mãos da empresa que ali quer erguer o hotel. O PÚBLICO tentou obter mais esclarecimentos sobre o projecto junto dos responsáveis da Confeitaria Nacional e da Rottshire, mas tal não foi possível até ao momento.
A concretizar-se este projecto, será mais um quarteirão a ser intervencionado na baixa. Também para o quarteirão da antiga Pastelaria Suíça, no Rossio, se perspectivam grandes mudanças. Será transformado num grande espaço comercial, que ocupará quase todos os pisos e deverá estar aberto até meados de 2023.