Ministério quer dar autonomia às escolas para escolher um terço dos professores
João Costa admite que sempre que há concursos de professores, os serviços do ministério recebem “inúmeros pedidos, seja das direcções da escola, seja dos próprios professores, para tentar encontrar as maneiras mais variadas de se manterem na escola onde estavam”.
O Ministério da Educação (ME) quer dar autonomia aos directores para que possam seleccionar um terço dos seus professores, tendo em conta o perfil dos docentes e os projectos educativos da escola.
“Quero discutir com as organizações sindicais a possibilidade das escolas terem uma percentagem de professores que se vinculam de acordo com um perfil de competências específico”, revelou o ministro da Educação em entrevista à agência Lusa no arranque de mais um ano lectivo.
Na próxima semana, a equipa ministerial reúne-se com representantes sindicais sobre um novo regime de recrutamento e colocação de professores e do lado do ministério há várias ideias que quer debater.
Um dos projectos passa por dar autonomia às escolas para que possam escolher com quem trabalham.
Segundo João Costa, sempre que há concursos de professores, os serviços do ministério recebem “inúmeros pedidos, seja das direcções da escola, seja dos próprios professores, para tentar encontrar as maneiras mais variadas de se manter na escola onde estavam”.
A estes pedidos somam-se as cartas dos encarregados de educação a questionar porque não pode continuar na escola dos filhos determinado professor.
A mudança anual de equipas cria instabilidade e obriga muitas vezes a recomeçar de novo um projecto que já existia, defendeu o ministro numa crítica que também tem sido feita pelos directores das escolas.
“Nada disto faz sentido, ninguém contrata assim”, afirmou.
João Costa vai, por isso, propor aos sindicatos uma mudança: “Não é descentralizar completamente o concurso de professores, mas sim dar também alguma autonomia às escolas para, pelo menos, uma parte do corpo docente ser seleccionado de acordo com critérios locais e critérios próprios”, disse.
E quantos professores poderiam escolher? “Gostaria de começar com um terço” da equipa, avançou.
“Uma escola investe na formação do professor X na área digital, ou formação para ser tutor, ou formação no âmbito do Plano Nacional das Artes. Seja o que for e a seguir a pessoa vai-se embora. Isto é má gestão, isto é um mau uso dos recursos”, criticou o ministro.
Segundo João Costa, nos concursos de professores “nunca ninguém está contente”: “Os professores não ficam colocados onde desejavam, as escolas queriam ter continuidade dos seus professores. Parece sempre que corre mal e, portanto, temos de perceber o que é que se passa com este modelo que aparentemente não satisfaz ninguém”.
No entanto, do lado dos sindicatos, a possibilidade de os directores puderem escolher as suas equipas tem sido criticada por receio de eventuais favorecimentos.
“Eu não gosto de partir do princípio que os meus interlocutores são todos corruptos e tenho respeito pelos professores, os directores também são professores, e obviamente será possível desenhar modelos de recrutamento mesmo quando houver contratação mais local que previne coisas desse tipo. Fazer imputação de suspeitas de corrupção a directores é desvalorizar professores”, respondeu João Costa.
Outras das mudanças planeadas pela tutela é passar a integrar os professores por Quadro de Escola e não por Quadros de Zona Pedagógica (QZP), já que este último corresponde a uma região muito mais vasta (o país está dividido em apenas dez QZP).
Actualmente, um professor entra na carreira ficando colocado num dos dez QZP e só mais tarde fica efectivo num quadro de escola.
“Queremos vincular professores, mas vincular em Quadro de Escola. Porque se continuarmos a vincular em quadro de zona e de forma cega, podemos não estar a fixar os professores no lugar onde faz falta”, disse.
Prova disso são os resultados dos últimos processos de vinculação extraordinária. Neste momento, há falta de professores em algumas escolas, mas também há “mais de 800 professores com vínculo sem horário atribuído”, revelou João Costa. Para o ministro, é preciso também reduzir a dimensão dos actuais QZP.
Fim do congelamento
O ministro da Educação avisa os professores que é escusado “empatar tempo” com negociações sobre recuperação do tempo de serviço congelado durante a Troika, mas compromete-se a não haver mais congelamentos.
“Tenho plena noção da penalização que existe para quem é professor desta incapacidade de recuperação daquela fatia do tempo que ficou por recuperar”, começou por afirmar o ministro da Educação.
“Temos de perceber que há o que conseguimos fazer e o que não conseguimos fazer. Eu considero-me uma pessoa honesta e não iria para uma mesa de negociações empatar tempo, a fazer de conta”, acrescentou João Costa, referindo-se à recuperação integral do tempo de serviço, uma das principais reivindicações dos sindicatos de professores, que em breve retomam negociações com a tutela.
As duas maiores estruturas sindicais – Fenprof e FNE – pediram ao Ministério da Educação que fosse elaborado um protocolo negocial com os temas a debater, mas para o ministro essa é uma reivindicação que deverá ficar de fora.
“Muito sinceramente, não me parece que seja sério da minha parte incluir questões num protocolo que já sei à partida que não temos condições de negociar. Estamos a fazer essa análise para identificar os pontos em que podemos chegar a algum lugar”, afirmou.
Durante o período de assistência financeira da Troika, a carreira dos professores esteve congelada durante nove anos, quatro meses e dois dias, dos quais o Governo aceitou recuperar quase três anos. O ano lectivo arranca esta semana e, segundo estimativas do Ministério da Educação, cerca de 60 mil alunos não terão todos os professores atribuídos.
O ministro afirma agora que a carreira docente não voltará a ser congelada: “Podemos hoje ter garantias, apesar da crise que vivemos, de que a carreira docente não vai voltar a ser congelada e damos esta garantia porque o processo de descongelamento e de recuperação do tempo de serviço foi feito com responsabilidade orçamental. Se não tivesse sido, hoje podíamos estar numa situação mais delicada”.
Questionado sobre a desigualdade em relação aos docentes das ilhas dos Açores e da Madeira, que conseguiram recuperar de forma faseada todo o tempo de serviço, João Costa explicou que o salário mensal é pago pelo orçamento regional, mas “a pensão é paga pelo Orçamento do Estado do Governo da República”.
Aumentos salariais são negociação da Administração Pública
“Se eu pudesse dizer assim ‘muito bem os professores que estão aqui no continente, mas quando se aposentarem, outro paga’, se calhar também tinha condições para recuperar integralmente o tempo de serviço. Temos de ter seriedade também na forma como analisamos estas questões. Os Açores e Madeira podem, porque não têm o peso das aposentações”, afirmou.
Sobre a recente reivindicação da Fenprof, que veio defender que os salários dos professores deveriam sofrer um aumento mínimo de 10%, tendo em conta a inflação, João Costa disse que essa é uma negociação da Administração Pública.
O ministro reconheceu que em Portugal os “salários são baixos” e que, depois do aumento do salário mínimo, “é compromisso deste Governo olhar para o salário médio”.
No entanto, defendeu que é preciso olhar para as carreiras gerais: “Um técnico superior, que tem habilitações semelhantes à de um professor ou de outros profissionais, tem um salário significativamente mais baixo do que o das carreiras especiais”.
Sobre o próximo Orçamento do Estado, João Costa revelou que estarão lá algumas das reivindicações dos sindicatos.
“Há um compromisso que estará, obviamente, já presente no Orçamento do Estado. Nós vamos negociar um modelo de recrutamento que tem também como fim uma maior estabilidade e uma maior vinculação de professores. E, obviamente, isso estará expresso no Orçamento de Estado, que é uma aspiração legítima das organizações sindicais e, já agora, é também uma aspiração nossa”, disse.
Entretanto, na segunda-feira, a Fenprof admitiu que os professores poderão avançar para uma greve ainda durante o primeiro período de aulas, caso não vejam atendidas algumas das suas reivindicações.
João Costa disse ter “um grande respeito pelo sindicalismo e pelo direito à greve”, acrescentando que o Ministério quer negociar, mas deixou um aviso: “Eu não negociarei sobre ameaças de greve. Ou há vontade de negociar ou há vontade de fazer greve. As duas coisas têm uma certa incompatibilidade. Portanto, é preciso que a Fenprof também saiba o que quer”.
Exames apenas para acesso ao superior
As regras para os exames nacionais do ensino secundário deste ano ainda não foram definidas, mas o ministro da Educação defende que continuem a servir apenas para o acesso ao ensino superior, à semelhança dos últimos três anos.
“Eu sou favorável a manter em definitivo esta modalidade que adoptámos durante os anos da pandemia [de covid-19]”, admitiu João Costa.
Este ano, as provas finais do 9.º ano, retomadas no ano passado, mas só para aferição, vão voltar a contar para a avaliação dos alunos, mas ainda não se sabe como vão ser os exames nacionais do ensino secundário, uma decisão que está a ser discutida com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
O impacto da pandemia da covid-19 na educação durante o ano lectivo 2019-2020, quando as escolas encerraram pela primeira vez, impôs também novas regras para os exames nacionais que, nesse ano, não foram obrigatórios para concluir o ensino secundário e puderam ser realizados apenas por quem quisesse seguir para a universidade.
Foi também assim nos dois anos lectivos seguintes e, apesar de ainda não ser certo que se repita este ano, João Costa concorda que a excepção se torne regra.
“O que aconteceu nestes dois anos mostra que não há nenhum prejuízo, nem para o trabalho que se faz nas escolas, nem para o acesso ao ensino superior. Até pelo contrário, porque os números das colocações no ensino superior devem-nos deixar muito orgulhosos”, sublinhou o ministro, aproveitando para comentar a colocação de quase 50 mil alunos na primeira fase do concurso nacional.
Por outro lado, além de facultativos, a estrutura das provas também mudou e, pela primeira vez, passaram a contar com conjuntos de perguntas optativas em que era contabilizada a melhor reposta. É também uma das lições positivas que o ministro da Educação retira da adaptação aos tempos excepcionais.
“O que o Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) diz é que há vantagens, até porque nós estamos num momento em que demos muito mais liberdade à escola para desenvolver o currículo de uma forma mais flexível e isto esbarra um bocadinho em provas ‘ultra standardizadas’”, justificou.
E a propósito dos exames nacionais, o ministro da Educação comentou também eventuais alterações ao modelo de acesso ao ensino superior.
“O modelo de acesso ao ensino superior tem problemas, a meu ver, mas é percebido como justo e absolutamente transparente. Portanto, melhorias a introduzir no acesso não podem levar-nos a perder estas duas qualidades”, sublinhou, referindo em particular a possibilidade defendida por alguns de as próprias instituições seleccionarem os alunos.
“Isto, que pode fazer sentido, pode introduzir factores de iniquidade”, alertou o ministro, que elogiou, por outro lado, outras alterações recentes, como a criação dos concursos especiais de ingresso para diplomados de cursos profissionais e artísticos ou do contingente especial para alunos de escolas dos Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP), anunciado em 2021, mas que ainda não teve efeito.
Esse contingente, acrescenta, funciona como “uma discriminação positiva” para que não sejam excluídos, à partida, do acesso às universidades e politécnicos “alunos com um potencial muito positivo para fazerem um ensino superior com muita qualidade apenas porque não tiveram as condições de competitividade que outros alunos tiveram”.