Agora, no final do ano, é altura de olharmos para trás. Reunimos uma dúzia de causas que, ao longo de 2020, fomos mostrando. Voltamos a elas porque queremos saber o que significam para ti. Há alguma que te tenha tocado especialmente? Alguma que tivesses conhecido apenas este ano? Envolveste-te em alguma delas? O que prevês para estas lutas? Neste ano recheado, mostra-nos a que te é mais próxima e diz-nos o que te vai na alma. Queremos ouvir-te . Porque a tua causa é a nossa causa.
Começamos a lista com uma ameaça que é anterior à da covid-19: a ambiental . Por culpa dela, milhões de jovens saem à rua, desde 2018, para avisar que “não há planeta B”. Motivados pela activista sueca Greta Thunberg , faltam às aulas para gritar contra a inércia dos líderes mundiais que, impavidamente, vêem o planeta a degradar-se. Este ano, a luta continuou (online e, menos vezes do que o habitual, na rua ) e foi levada adiante por seis jovens portugueses que processaram 33 países por causa das alterações climáticas . Com idades entre os oito e os 21 anos, Rita e Catarina Mota, André e Sofia Oliveira, Martim, Cláudia e Mariana Agostinho, todos familiares ou conhecidos, lançaram um crowdfunding para ajudar o construir o processo, e, com a ajuda da Global Legal Action Network, conseguiram que desse entrada no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos a 3 de Setembro. Entre os 33 países processados está Portugal. Os jovens querem que o tribunal tome uma decisão que obrigue os países processados a agirem de forma urgente para travar a crise climática. “O que queremos é que a nossa era seja de menos incerteza, menos crítica e mais esperança”, explica André Oliveira.
Rui Gaudêncio
Um desejo semelhante tem João Pedro Anjos : “Vamos ser bons e fazer a coisa certa. Vamos fazer a diferença para as próximas gerações. Acabar de vez com o ódio.” A mensagem foi dita ao P3 em Junho , quando o jovem foi à manifestação convocada pelo Chega e ergueu uma bandeira LGBT . O protesto organizado pelo partido político, que pretendia dizer que “Portugal não é racista” , levou mais de mil pessoas à rua. João não acreditava que ela fosse mesmo acontecer até chegar 27 de Junho — véspera do Dia do Orgulho LGBT e o dia da manifestação. Foi sozinho, mas levou consigo todos os que “deveriam também marchar naquele dia e não o puderam fazer”. Acabou por se tornar num fenómeno nas redes sociais, com milhares a partilhar imagens do momento e a comentar emojis de flores na sua conta de Instagram, como forma de agradecimento e homenagem. “A vida passa tão rápido, para quê destilar ódio contra quem só quer viver?”
Também na luta contra o preconceito está um grupo de brasileiras que “não se calam” . Em meados de Julho, um grupo de cinco mulheres criou a conta de Instagram “Brasileiras não se calam" , onde partilham histórias de preconceito, assédio e discriminação de que são vítimas . Com mais de 28 mil seguidores, as publicações consistem, maioritariamente, em relatos na primeira pessoa de momentos de xenofobia e agressão. A ideia da conta é dar visibilidade a esses casos, “porque muita gente não tem noção de que isso acontece”, e também ajudar quem vive essas agressões: da página, já nasceu uma rede de entreajuda para brasileiras que vivem em Portugal. Desde aconselhamento financeiro, aulas de inglês, orientação académica e até aulas de ioga.
DR
As redes sociais são palco de lutas variadas. É também lá que Mariama Injai, conhecida como Afromary , fala sobre as suas experiências pessoais enquanto mulher negra . Microagressões, cultura, saúde mental na comunidade negra… os tópicos são variados, mas todos estão debaixo do mesmo guarda-chuva: o racismo . O objectivo é criar discussão, mas também “educar”, através de conversas e entrevistas que mostram outras experiências além da sua. Num ano marcado também pela morte de George Floyd e pelas manifestações nos Estados Unidos , Mariama quer passar uma mensagem: “Basta dar equidade, as mesmas oportunidades, as mesmas ferramentas e os mesmos acessos.”
Nuno Ferreira Santos
“O racismo que impede as pessoas de respirarem na América é o mesmo que faz com que pessoas se afoguem no Mediterrâneo”, disse Lokas Cruz, que concilia o trabalho como médica interna numa unidade de saúde familiar em Freamunde com acções humanitárias que resgatam refugiados no Mediterrâneo . Ao P3, contou como estar nestas duas situações é um “contraste muito grande”, já que o que faz no Mediterrâneo é considerado criminoso . A médica activista lamentou o quanto a pandemia prejudicou a acção humanitária e como “desvendou a desigualdade, os privilégios de classe, e as pessoas que são mais vulneráveis”. “Percebemos, com alguma resistência, que não estamos todos no mesmo barco ”, afirmou. Controlar a pandemia num campo de refugiados é o exemplo dessa mesma desigualdade: “As pessoas vivem todas umas em cima das outras. Não há distanciamento. Não há torneiras para lavar as mãos, não há sabão. Não há cuidados intensivos.”
Nelson Garrido
Mas se a pandemia mostrou as desigualdades e nos alertou para urgências sociais, também fez nascer ondas de solidariedade por todo o mundo. Assim que foi decretado o estado de emergência em Portugal, surgiram redes de vizinhos que abriram as suas portas para ajudar os mais vulneráveis . Idas às compras, à farmácia ou, simplesmente, uma palavra amiga: por todo o país, vizinhos fizeram questão de lembrar que “ninguém é uma ilha” , como referiu Inês Pais, uma das muitas vizinhas que se prontificou a ajudar, ao P3. As primeiras redes surgiram logo em Março, quando foram detectados os primeiros casos e decretado o estado de emergência; outras vieram mais tarde, como os futuros veterinários que levaram cães de idosos a passear ou os jovens de Abrantes “adoptavam um avô” e lhe faziam companhia pelo telefone. Mas sempre a tempo.
DR
Foi também por telefone que muitas pessoas combateram o isolamento. Fosse com profissionais ou com amigos, numa altura em que era preciso ficar em casa, encontramos na tecnologia a chave para combater o isolamento. A saúde mental foi posta à prova e o conforto foi encontrado, tantas vezes, numa palavra amiga. Mas Rita Fatela optou pela ilustração para mostrar que não faz mal sentir coisas . Psicóloga de profissão, ilustra pequenos quadrados de banda desenhada com recurso a metáforas, humor e sarcasmo. O que quer que funcione, desde que torne mais fácil entender os assuntos do cérebro (e do coração). O livro Diz lá, Beatriz – Isto não é um Manual de Instruções para Ser Humano não substitui a ida a um profissional de saúde, como alerta a autora, mas pode ajudar a descomplicar monstros de sete cabeças. E pode ter sido uma ajuda em tempos difíceis.
DR
E por falar em monstros de sete cabeças: Inês Oliveira quer mostrar que a paralisia cerebral não é um. Diagnosticada com a doença aos três anos, escreveu o livro Sentires Especiais , onde conta a sua história e tenta alertar para a inclusão e acabar com o capacitismo. “Há muito estigma, muito preconceito, falta de acessibilidade e de reconhecimento perante as pessoas com necessidade educativas”, referiu ao P3, numa entrevista onde contou também ter sido vítima de bullying por causa da paralisia cerebral. Com o livro, quer “mudar mentalidades”.
Diogo Ventura
Tal como Catarina Corujo, Jéssica Sá ou Tarik Carroll, que querem lutar contra o estigma em relação a corpos gordos. Cansados da falta de representação, discriminação e pressão para emagrecer, deixaram de tentar encaixar num “padrão de beleza irrealista”. Seja através das redes sociais, como faz Catarina e Jéssica, ou de projectos fotográficos na área da moda, como é o caso de Tarik, procuram mostrar que ser gordo não quer dizer não ser saudável e acabar de vez com a gordofobia . “É assim tão necessário termos uma opinião sobre o corpo do outro?”, questionam.
Tarik Carroll
É precisamente com o corpo que Babaya Samambaia combate o discurso de ódio . Eleita Miss Drag Lisboa de 2019, diz ser “uma bandeira ambulante”. Em Fevereiro, a drag queen subiu ao palco do Got Talent Portugal e arrasou. Depois de quatro anos a sentir-se culpado e a forçar-se a ser heterossexual, Lucas Medeiros deixou de ver o seu lado feminino como “uma fraqueza” e aceitou a sexualidade . Ser drag não é só “imitar uma diva, estar bonita ou ser sexy”. É “liberdade, amor do feminino e de tudo o que muitas vezes é negado ou visto com outros olhos”. E é fazer uma rebelião com o próprio corpo.
DR
Este ano o activismo chegou também às universidades . “As desigualdades sociais estão, agora, visíveis a olho nu. Já não é possível empurrar para debaixo do tapete”, avisaram os estudantes da Brigada Estudantil , quando, em Novembro, organizaram uma manifestação em Lisboa pelo fim das propinas e da desigualdade no ensino superior. Também no início da pandemia, a Quarentena Académica apareceu para dar respostas às mudanças que a pandemia estava a provocar na educação . Mas, desde então, os estudantes de ambos os grupos não pararam: têm denunciado abusos nas faculdades, como casos de discriminação e xenofobia contra alunos brasileiros ou falta de condições nas residências para enfrentar a covid-19 . “Se o ensino superior não é para todos, não é justo para ninguém”, afiançam.
Paulo Pimenta
Francisco Cordeiro de Araújo tem um objectivo: humanizar os políticos portugueses e combater o voto desinformado. Para isso, decidiu entrevistar os 230 deputados do Parlamento . É um modo de acabar com a iliteracia política de uma forma “isenta e transparente”. “Os 230”, nome do projecto, pode ser especialmente útil num momento em que as eleições presidenciais, marcadas para Janeiro, se avizinham. Não pretende “orientar ideologicamente as pessoas”, mas desculpabilizar os políticos e aproximá-los da sociedade em prol da informação.
DR
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